2010/02/27

PATRIMÓNIO_01_ESCOPO DO OBJECTO

Quer se trate de monumentos, de museus, de arquivos, de parques regionais, de sítios arqueológicos, mas também de parques industriais, de lugares de memória local ou universal, de todos os reflexos da história recente ou mais ou menos remota, o património incarna a herança comum de uma determinada colectividade.
In Catálogo Arts et Culture 2002, Scéren/Ministère Éducation nationale, pág. 75

A designação assumida pelos dicionários não vai além de noções mais ou menos vagas e difusas como bens adquiridos ou transmitidos pelos pais ou pelas gerações precedentes ou conjunto de riquezas de uma determinada colectividade. No entanto, na sua definição mais abrangente, parece que o património pode compreender tudo – ou quase tudo – aquilo que nos é transmitido pelos nossos predecessores. E, neste sentido, o património é, semanticamente, tributário de uma leitura ambivalente: a poluição, por exemplo, poderá fazer parte do nosso fundo patrimonial, assim como a Angra do Heroísmo ou a Laurissilva da Madeira.

Não obstante o que acaba de ser dito, o património parece ser correntemente utilizado para significar o cortejo de tradições e os caracteres que, de uma forma ou de outra, julgamos dignos de ser conservados, isto é, para conotar (e não designar, porque a noção se encontra imbuída de traços sémicos que ultrapassam o mero acto ostentatório), repito, para conotar tudo aquilo que consideramos como particularmente representativo do nosso passado e que queremos, por isso mesmo, transmitir à posterioridade. Todavia, mesmo aqui, o termo permanece demasiado abrangente, pois que se pode aplicar à matéria tangível (cf. a realidade construída ou o ambiente natural) ou à matéria intangível (cf. a história, a cultura, os valores sociais, o cognoscível). Nesta óptica, o património pode perfeitamente circunscrever-se a uma casa particular, a um acontecimento histórico, a uma árvore secular, a um parque público, a uma montanha, a uma espécie animal, a um conto folclórico, a uma canção, a um estilo de vestuário, a uma tradição artística – em suma, a uma simples crença.

Destarte, perspectivado no seu modelo maximalista, o património consiste num desafio. Um desafio que consiste em determinar o que é que, de facto, constitui o nosso património e que traços queremos transmitir. E, neste particular, cada geração deve enfrentar a sua tarefa, a começar por cada indivíduo…

Com efeito, já lá vão os tempos em que a noção de património designava o conjunto dos bens de família, sendo, hoje, entendido como uma herança comum de uma determinada colectividade. Aliás, o sucesso das Jornadas Europeias do Património reflecte, muito justamente, a fixação (quiçá o fetichismo) das sociedades contemporâneas por esta noção (património), que ultrapassa, em muito, a ideia mais ou menos simplista de antão (cf. monumentos históricos). E o interesse pela matéria tem-se, de resto, alargado progressivamente a vários domínios, como por exemplo, o parque industrial, o património rural, a deriva tecnológica. Aliás, a necessidade actual revela-se, em última análise, muito mais profunda do que o simples interesse histórico pelo passado e prende-se, antes de mais, com a vontade de nos apropriarmos do passado (e à la longue, do presente…) para melhor conceber o futuro. E, nesta óptica, filogeneticamente aberta, abordar a questão patrimonial é, no fundo, reactualizar, de foram dinâmica e inovadora, o próprio devir do homem, ou melhor, avaliar axiologicamente o cortejo de doxas que atravessa diagonalmente as sociedades coetâneas.
© Manuel Fontão

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