2011/11/28

Os atos de fala [segundo Austin]


A. PARTE TEÓRICA
1. introdução

A pragmática é comummente definida como o estudo da linguagem em ato, sendo que uma tal perspetiva se pode, como é óbvio, entender como:

1.1. precursores
How to do Things with Words constitui, nesta matéria, uma obra charneira. Com efeito, a publicação, em 1962, das doze conferências que J. L. Austin pronunciou no ano de 1955 na Universidade de Havard, constituíram o ponto de viragem de uma linguística até então imbuída de uma certa tendência imanente e imanentista.
 
Todavia, convém matizar uma tal posição teórica, pois se definirmos a pragmática como a arte de persuadir pelo discurso, notar-se-á que estamos muito próximos da arte da Retórica, tal como foi enunciada por Aristóteles na sua Retórica. De resto, segundo a interpretação aristotélica, o discurso persuasivo já tinha como característica essencial, a de dever ser adaptado, não apenas ao contexto de interlocução, mas à constituição do auditório – que importava influenciar (movere).
Sem prejuízo do que acaba de ser referido [2], foi, sem dúvida, o primeiro quartel do século XX que reconheceu a dimensão pragmática da linguística, cuja teorização se prende com as descrições que se passa sucintamente em revista:
  A. as modalidades primitivas do comportamento humano, as quais se prendem, no fundo, com as formas de frase capazes de exprimir o homo loquens na sua atividade discursiva. Com efeito, e segundo Emile Benveniste (1966: 130):

(2) Reconhecemos que, em toda a atividade discursiva, existem proposições assertivas, interrogativas e imperativas (…) Ora, estas três modalidades mais não fazem do que refletir os três comportamentos fundamentais do sujeito falante, que, pelo viés do discurso, age sobre o seu interlocutor, quer transmitindo-lhe um certo conhecimento, quer visando obter uma informação, quer, ainda, intimando-o a fazer observar uma ordem. São estas as três funções interhumanas do discurso, as quais se inscrevem nas três modalidades da unidade da frase, cada uma delas correspondendo a uma atitude do locutor. [3]
  B. as funções da linguagem, delimitadas por K. Bühler, designadamente aquelas que subjazem ao seu  modelo Organon (1934) e que o autor descreve como segue:
  
(3)
  • a) The Context: the representational function of language pertains to the relation between the sign and the world. 
  • b) The Speaker: the expressive function of language pertains to the relation between the speaker and the sign.
  • c) The Addressee: the appeal function of language pertains to the relation between the addressee and the sign. 
cujo modelo, também ao número de três funções (representação, expressão e apelo), pode ser visualizado infra [4]:

 

C. a distinção modus / dictum, proposta por Charles Bally, tinha como objetivo decompor o conteúdo de todo e qualquer enunciado em (a) um modus, aplicado a (b) um dictum, o que prefigurava, como se calcula, uma análise dicotómica assente em valor ilocutório vs conteúdo proposicional (já anunciada por Austin e Searle). Com efeito, para Bally, todo e qualquer enunciado combina a representação de um processo ou de um estado (dictum) e uma modalidade afetando esse dictum, correlativa da intervenção do sujeito falante (modus). A modalidade define-se, por conseguinte, como uma atitude reativa do sujeito falante face ao conteúdo proposicional do enunciado. Neste sentido, a modalidade apresenta-se como a alma da frase, razão pela qual Bally afirma (1965: 35):

(5) A exemplo do pensamento, [a modalidade] é constituída essencialmente pela operação ativa do sujeito falante. Não se pode atribuir o valor de uma frase a uma enunciação enquanto não se descortinar, nela, a expressão da modalidade, qualquer que ela seja.

4. Malinowski e Gardiner também desenvolveram teorias de certa forma originais, em cujos aparelhos teoréticos se reconhece, no entanto, a influência do modelo dominante, à época, o modelo behavorista [5].

5. Uma alusão ainda que breve à jovem disciplina da semiótica, nomeadamente, a Charles Peirce, que afirmava que o sentido de um enunciado se resumia aos seus efeitos produzidos, e, sobretudo, a Charles Morris, a quem se deve a distinção entre três tipos de abordagem do signo, a saber, (a) sintática, (b) semântica e (c) pragmática, dependendo de os signos serem, respetivamente, encarados nas suas relações com a frase, com os seus referentes ou com os seus utilizadores [6].

1.2. fundadores
O título da obra de Austin (How to do Things with Word), que, como ficou dito acima, recupera as doze conferências proferidas pelo autor na Univerdidade de Havard, inscreve-se num movimento de contestação, não apenas no que se refere à posição dominante da filosofia da linguagem, mas também às questões associadas ao imperialismo da semântica vericondicional [7]. Ora, segundo Austin, a maior parte dos enunciados produzidos em contexto não se regem pelos critérios do verdadeiro/falso, mas têm que ver, antes, com as suas condições de felicidade. Tal facto significa que um enunciado como:

(6) Fecha a porta.
constitui um enunciado verdadeiro, se estiveram reunidas certas condições materiais (pragmáticas), resistindo, por conseguinte, a toda e qualquer análise semântica.

1.2.1. noção de performatividade

Considerem-se os enunciados que se seguem:
(7) Estou a apagar a luz da sala.
(8) Declaro a sessão encerrada.

Ora, observa-se que o enunciado (7) descreve uma certa situação que será verdadeira ou falsa se a ação em causa é [↘] ou não [↗] efetuada. Todavia, notar-se-á que a realização da ação é inteiramente independente da enunciação da frase propriamente dita, pois que o facto de proferir (7) não implica necessariamente que a luz se apague, isto é, não significa que o interruptor, pela simples produção de (7) passe automaticamente de uma posição [↗] ligada a uma outra [↘], no caso em apreço, desligada – a não ser que convoquemos o mundo maravilhoso para a interpretação do facto. Assim, e tendo em conta tal estado de coisas, podemos afirmar, com Austin, que estamos perante enunciados constativos.
Por seu turno, o enunciado (8) não é passível de descrição alguma, e, por conseguinte, não obedece aos critérios do verdadeiro ou falso, na medida em que o enunciado realiza [8] na e pela própria enunciação, uma determinada ação e, por isso mesmo, (8) constitui um enunciado performativo.
Face ao exposto, poder-se-á definir um enunciado performativo como realizando, sob certas condições, a ação que ele designa, isto é, um enunciado que executa a ação pelo simples facto de dizer… o que é dito. Do mesmo modo, afirmar:
(9) Estou a ler. 
   
não implica, como facilmente se depreende, a realização efetiva do ato de ler, pelo que o enunciado pode ser verdadeiro – ou não. No entanto, afirmar:

(10) Prometo que vou ler o livro.

isso é, de facto, realizar esse ato, na ocorrência, o de prometer. Claro que o enunciado (10) pode ser ou não sincero, mas nada se pode afirmar acerca da sua veracidade ou da sua falsidade. Aliás, mesmo se o locutor L, ao pronunciar (10), não tiver a menor intenção de honrar o seu compromisso, o seu ato de enunciação não será, em caso algum, falso, pois que, efetivamente, leva a cabo um ato compromissivo. Note-se, de resto, a impossibilidade de produzir (10a):
(10a) *Prometo que vou ler o livro, mas sem prometer [9]. 
1.2.2. performativos puros
Na realidade, estes performativos apresentam-se como enunciados centrados em redor de um verbo na primeira pessoa do presente do indicativo, como por exemplo:

(11) Aposto [no jogo].
(12) Aposto que ele virá.
(13) Agradeço-lhe esta bela exposição e abro imediatamente a discussão.
Contudo, note-se que os enunciados acima (11-13) perdem essa propriedade (a performatividade), se forem enunciados noutro tempo ou noutra pessoa:

(11a) Apostei [no jogo].
(12a) A Joana apostará que ele virá.
(13a) Agradecer-lhe-emos esta bela exposição e abriremos

De resto, e segundo Austin, os verbos performativos podem ser reunidos em duas grandes categorias, dependendo de o verbo ser considerado um verbo de comunicação (dicendi), como por exemplo (14) – ou não, como em (15):
(14a) Prometo-te/Ordeno-te/Aconselho-te…
(14b) Aceito/Recuso/Contesto/Juro [10]
(15a) Eu batizo este navio de Sagres.
(15b) Lego o meu relógio de bolso ao meu querido amigo X.
(15c) Aposto contigo dez euros como amanhã vai chover.
(15d) Perdoo-te/Desculpo-te/Relevo-te o facto de


Na realidade, não existe uma relação perfeita entre os verbos dicendi e os restantes, até porque certos verbos de comunicação não se prestam, de todo, a uma interpretação performativa, como é o caso, por exemplo dos enunciados que se seguem:
(16) Eu apresento-me...
(17) Eu explico-me...

Como se verifica, (16) e (17) anunciam, certo, uma certa ação – na circunstância, as de se apresentar ou de se explicar, respetivamente –, mas, na prática, não as realizam. Por outro lado, há verbos de comunicação que nem sequer suportam a leitura performativa, como por exemplo /insultar/, /injuriar/, /ameaçar/:

(18) ? Eu insulto-te/injurio-te/ameaço-te...
Em suma, parece-me que a questão deve obedecer a um tratamento casuístico, pois que, curiosamente, verbos como /amaldiçoar/ ou /mentir/ admitem uma leitura performativa:

(19) Eu amaldiçoo-te.
(20) Minto: o acidente ocorreu às dez horas.

ao passo que verbos que, todavia, revelam um comportamento mais paraverbal do que propriamente verbal, como por exemplo /rir/ ou /gritar/, admitem com grande dificuldade uma leitura performativa:

(21) ? Rio-me da tua anedota.
(22) ? Grito de medo das tuas ameaças...


1.2.3. testes de constituência

A existência da fórmula eu [+ te] + verbo no presente do indicativo não é, como se calcula, uma condição suficiente para concluirmos que estamos em presença de um verbo performativo, pelo que a questão será de saber se constitui, porventura, uma condição necessária. Ora, Austin observa que os performativos puros se podem prestar a várias manipulações sem que percam, por isso, a sua performatividade. Assim, e segundo o autor, tais verbos podem suportar, por exemplo, a elipse (23), a transformação passiva ou impessoal (24) ou a adição de um modalizador ou qualquer outro prefixo (25) [11]:
(23a) Sessão encerrada!
(23b) Culpado! [12] 

(24a) Os utentes estão avisados
(24b) Está (formalmente) autorizado pela presente…
(24c) É estritamente proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço.

(25a) Devo desculpar-me
(25b) Posso pedir-lhe para não perturbar?...
(25c) Gostaria de lhe agradecer as suas palavras de conforto
(25d) Deixe-me prevenir-lhe que encerramos às 17 horas
1.2.4. enunciados intermédios
Todas estas questões, assim como a constatação de que existem certos verbos que não se enquadram nas categorias acima descritas levou Austin a reformular a sua hipótese de partida e a admitir a existência de uma categoria intermédia, isto é, enunciados mixtes, que ele situa a meio caminho entre os verbos performativos e os verbos constatativos. Com efeito, é o caso de enunciados do tipo:
(26) Lamento imenso que penses assim.
(27) Estou-lhe grato pelo serviço prestado.
   1.2.5. enunciados implícitos
Ter-se-á reparado que enunciados do género de (10) e de (14a), que aqui se atualizam em (28):

(28a) Prometo que vou ler o livro.
(28b) Ordeno-te que feches a porta.
(28c) Aconselho-te a estudares mais.

podem ser muito simplesmente realizados conforme se segue:

(29a) Vou ler o livro.
(29b) Fecha a porta.
(29c) Estuda mais.

Assim, e face a este tipo de fenómenos, Austin foi levado a considerar a existência de performativos implícitos ou primários e, pari passu, concluiu que todos os enunciados encerravam uma certa força ilocutária, pelo que a teoria em causa já não se prende, pelo menos de forma exclusiva, com a taxonomia dos verbos performativos, mas antes com o quadro geral de uma teoria dos atos ilocutórios.

Não obstante o que acaba de ser dito, Austin considera de toda a utilidade manter a distinção entre (a) os enunciados que realizam atos designando-os de forma explícita e (b) enunciados que realizam atos pelo viés de processos implícitos, sendo que, doravante, (a) serão chamados de performativos e (b) constituirão atos ilocutórios.
Face ao exposto, urge perceber o grau de operacionalidade desta distinção, i. e., até que ponto (a) e (b) se podem distinguir, na prática, entre si. E, nesta matéria, Austin propôs [13] alguns testes de reconhecimento (de constituência) para os verbos performativos, entre os quais importa destacar o teste da refutação, no escopo [14] do comentário, como por exemplo, em (30):
(30a) – Mantenho que Fukushima é um perigo para o meio ambiente.
(30b) – Mas é completamente falso! [15]

Aliás, o teste da refutação também se pode aplicar para reconhecer (i) um performativo puro e (ii) um performativo impuro, como se confirma pelos enunciados (31) e (32):
(31a) – Desculpe!
(31b) – *Não, não se está a desculpar!
(32a) Lamento imenso que penses assim!
(32b) Não lamenta nada; sente apenas um ligeiro desconforto moral
(32b’) A sério?

Oswald Ducrot, por seu turno, propôs um outro teste para distinguir (i) de (ii). Com efeito, segundo o autor, enunciados do género (a) Ele disse: ordeno-te que feches a porta ou (b) Ele disse: prometo-o um livro são equivalentes a (a’) Ele ordenou-me que fechasse a porta ou (b’) Ele prometeu-me um livro, ao passo que um enunciado como (c) Ele disse-me: trago-te um livro não é equivalente de (c’) Ele trouxe-me um livro, o que significa que os exemplos (c) são entendidos como descrições assertivas.
Na verdade, o verbo /amar/, que Roland Barthes classificava como performativo puro, resiste, todavia, ao teste da refutação, pois que o alocutário pode sempre contestar a declaração de amor:
(33a) – Amo-te.
(33b) – Não me amas nada; precisas de mim, isso sim

Significa isto que a declaração de amor, contrariamente à declaração de guerra, não se rege pelas propriedades de performatividade (i. e., não é um performativo puro), muito embora as expressões do código amoroso não passem no teste de variação verbal (?amou-a; ?amá-lo-ei) e encerrem, admitamo-lo, um certo poder transformador próprio deste tipo de enunciados [16].

Em guisa de conclusão – e tendo em conta a descrição aduzida supra – poder-se-á afirmar que os critérios distintivos propostos por Austin se de alguma forma insuficientes, pelo que a análise deverá, antes, prever, uma leitura escalar e levar em linha de conta a força ilocutória dos enunciados.
De resto, verdade seja dita que Austin não se limitou à descrição da performatividade, mas lançou mesmo as bases de uma teoria completa dos speech acts, de acordo com as seguintes linhas de força:
  •  os enunciados são dotados de uma força ilocutória (i. e. têm uma força de ato), mesmo os enunciados constativos – que constituem, afinal de contas, uma categoria de atos de fala, como os restantes;
  •  uma classificação mais ou menos abrangente das condições de (in)felicidade que podem afetar os enunciados performativos, tais como as inconsequências, os insucessos e os abusos de cálculo interpretativo;
  • a distinção entre três espécies de atos, a saber, (i) os locutórios, (ii) os ilocutórios e (iii) os perlocutórios [17];
  • o inventário dos diferentes valores ilocutórios (décima segunda conferência), divididos como segue:


A. PARTE PRÁTICA

 1. Explique os casos de figura criados com a descrição intelectualizada do verbo essencialmente paraverbal /beijar/ [18].




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Tornou a deitar-se, isto é uma criancice, um homem, se quer uma coisa, não a deixa ao acaso, faz por alcançá-la, haja vista o que trabalharam no seu campo os cruzados, espadas contra alfanges, morrer se for preciso, e os castelos, e as armaduras, depois, sem saber se ainda está acordado ou dorme já, pensa nos cintos de castidade de que os senhores cavaleiros levaram as chaves, pobres enganados, aberta foi a porta deste quarto, em silêncio, fechada está, um vulto atravessa tenteando, pára à beira da cama, a mão de Ricardo Reis avança e encontra uma mão gelada, puxou-a, Lídia treme, só sabe dizer, Tenho frio, e ele cala-se, está a pensar se deve ou não beijá-la na boca, que triste pensamento.
  Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, pp.131/2





05
Achou Ricardo Reis que lhe devia um beijo, agarrou-a ternamente pelos ombros nus, puxou-a a si, e, sem mais pensamentos, beijou-a devagar, dando tempo ao tempo, aos lábios espaço, e à língua, e aos dentes, ficou Lídia sem fôlego, pela primeira vez este beijo desde que se conheciam, agora poderá dizer a Marcenda, se voltar a vê-la, Não me disse Vou beijá-la, mas beijou-me.
  Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, p. 425





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Marcenda olha em redor os móveis pesados, as duas estantes com os poucos livros, o mata-borrão verde, então Ricardo Reis diz, Vou beijá-la, ela não respondeu […].
Um homem que pode servir-se das suas duas mãos a queixar-se, Mas eu não estou a queixar-me, digo só que é preciso estar muito desesperado para dizer a uma mulher, assim, como eu disse, vou beijá-la, Podia tê-lo dito por amor, Por amor beijá-la-ia, não o diria primeiro.
  Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, pp. 341/344



2. Quando dizer… não é fazer [19]
       2.1. Explicite o funcionamento dos pseudoformativos (verbos e expressões).
       2.2. Discorra sobre a importância dos elementos paraverbais.








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10
[CARTA de Eça a Teófilo Braga]

Newcastle, 12 de março de 1878.

Meu caro Teófilo Braga.

Basta de cavaqueira. Se você publica algum livro por esta ocasião — mande-mo; e se tiver para aí alguns volumes da sua História da literatura a mais, e que lhe não façam falta, dê-os ao Ramalho que ele nos manda. Eu, os que tinha, perdi-os estupidamente, com as obras de Shakespeare, de V. Hugo, num caixote, a caminho da Havre, e outras obras mais. Escrevi para o Porto a um amigo a mandá-los pedir; e nunca me respondeu, sequer: e eu preciso deles para um pequeno trabalho. Se não se esquecer — lembre-se. Um abraço do
Seu grande admirador, e dedicado amigo velho,
                                                 Eça de Queirós.  





05




10


Não diga mais nada – disse Henrique, levando aos lábios a mão, que ela não retirou. – Essas lágrimas bastam-me.
Escusado e dizer que estas palavras mais lágrimas produziram. E Henrique desceu do patamar com a vista enevoada por elas. Cristina ficou a chorar na varanda.
A Morgadinha veio, sem ser sentida, abraçá-la, dizendo:
Pago-te hoje o abraço que me deste no outro dia; mas eu escuso de te perguntar: “Pois tu amava-lo?”
 – Ai Lena!... – exclamou Cristina, cada vez chorando mais.
– Faltava aos vossos amores este arremedo de infelicidade, e imaginarem uma separação de duzentos passos para poderem representar a cena das despedidas, e chorarem como Paulo e Virgínia. Impostores! Dizia Madalena, para consolá-la
Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, p. 368

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[1] A expressão conhece alguma flutuação na sua tradução para o português: atos de linguagem, atos do discurso, atos de fala, atos de comunicação
[2] E passando sob silêncio algumas tentativas, mais ou menos esporádicas efetuadas ao longo da Idade Média…
[3] Sublinhados da minha responsabilidade.
[4] De resto, Roman Jakobson rebatizará estas funções em referencial, expressiva (ou emotiva) e conativa, acrescentando mais três funções complementares, a saber, a fática, a metalinguística e a poética.
[5] Registe-se, em guisa de parênteses, que a conceção do sentido defendida, por exemplo, por L. Bloomfield se resumia ao esquema StimulusResposta.
[6] Caberá ainda uma derradeira alusão a Wittgenstein, que afirmava que o sentido é função do uso
[7] Cf. o paradoxo do mentiroso, presente, por exemplo, numa asserção do tipo: (i) esta frase é falsa.
[8] Em inglês: to perform.
[9] Infração da regra da não-contradição de Michel Charolles. 
[10] Mas o verbo /jurar/ admite o emprego performativo, no sentido de prometer solenemente, como por exemplo: juro, por minha honra, cumprir com lealdade as funções que me são confiadas… 
[11] Na terminologia austiniana, estes empregos são designados hedged performatives.
[12] O fenómeno consiste na elisão de [Declaro/Declaro-o(a)].
[13] Designadamente, na sexta e na sétima conferências.
[14] Para a definição técnica deste termo, cf. capítulo da Semântica.
[15] Notar-se-á que o predicado [É falso…] tem como escopo a completiva – e não o verbo performativo, o que quer dizer que [Mantenho] resiste à falsidade…
[16] Notar-se-á que a passagem do não-dito ao dito implica necessariamente, para o bem e para o mal, uma mudança radical da relação interpessoal – depois, nada será, com efeito, como dantes. De resto, a dificuldade em pronunciar a fórmula encantatória parece denunciar o caráter irreversível e irreparável de um certo estado de coisas, tal como anunciava Barthes (1977: 43) Pronunciadas pela pessoa autorizada, numa data e lugar previstos para o efeito, as expressões do código amoroso encerram uma ação imediata. Daí, a sua força e a sua gravidade. Com efeito, os compromissos públicos ou privados, as ordens, os insultos, as maldições ou outras fórmulas de juramento inscrevem-se na série de performativos, palavras/ações que transportam no seu seio a sua própria realização.
[17] Apresentados nas oitava, nona e décima conferências. 
[18] Itálicos da minha responsabilidade. 
[19] Refira-se, a este propósito, que a performatividade dos verbos se pode glosar como quando dizer é fazer (título, aliás, da tradução francesa da obra de Austin).
© Manuel Fontão

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