2013/03/30

Fonologia e fonética: conceitos básicos e exercícios

Introdução

Fonologia: área da linguística que identifica e caracteriza os sons que desempenham funções linguísticas e que são responsáveis pela distinção de significados na língua. A fonologia descreve ainda os processos que os sons dessa língua sofrem ou produzem na relação que estabelecem com outros sons em vizinhança contextual. Por outro lado, a fonologia estuda os sons e as propriedades acústicas dos sons que cada língua seleciona para estabelecer significados. Por outras palavras, da imensa lista de sons que compõem o alfabeto fonético internacional, cada língua utiliza apenas um pequeno grupo de sons que combina segundo regras fonológicas próprias. Esse inventário selecionado por cada língua constitui o seu sistema fonológico. As unidades constituintes do sistema fonológico de uma língua são os fonemas

Fonética e Fonologia N. S. Trubetzkoy (Principes de Phonologie, 1939; 1976:3) é o responsável pela distinção entre fonética e fonologia "Daremos à ciência dos sons da fala o nome de fonética e à ciência dos sons da língua o nome de fonologia". 

A fonologia nasce assim no enquadramento das teorias estruturalistas do Círculo Linguístico de Praga e distingue-se da fonética, na medida em que aquela apenas se dedica aos aspetos fónicos que implicam diferenças de significado, enquanto esta (a fonética) se interessa por todas as variações acústicas e articulatórias de um determinado segmento. Por exemplo, a fonética interessa-se pelas diferentes formas como os falantes de diversas regiões articulam as palavras. Já para a fonologia, estes aspetos de variação dialectal são secundários, a não ser que tenham impacto na diferença de significado das palavras na língua. 

A fonologia atual sintetiza os contributos teóricos trazidos fundamentalmente pelo estruturalismo e pelo generativismo. Do estruturalismo (N.S.Trubetzkoy, R. Jakobson e A. Martinet), a fonologia moderna reteve os seguintes princípios e/ou termos-chave:

Conceito de fonema como unidade mínima distintiva do significante que se distingue de fone (unidade mínima de realização do fonema no plano fonético) e de alofone (variação de um determinado fone);

Noção de função distintiva dos fonemas manifestada pelas oposições de pares mínimos (sequências de sons iguais em todos os segmentos, exceto em um, sendo que essa diferença distingue significantes: ex - /'patu/ vs /'batu/). De resto, a análise de pares mínimos da língua é um método que Hjemslev designou por comutação (ou substituição), cujo processo se mostrou importante para a determinação dos fonemas de uma língua (oposições de /'balA/ vs /malA/ provam que /b/ e /m/ são fonemas da língua portuguesa porque, colocados no mesmo contexto, distinguem palavras do Português);

Noção de distribuição de um fonema como método de análise, saído do distribucionalismo de Leonard Bloomfield, baseado na observação do conjunto de contextos em que uma dada unidade pode ocorrer.

O generativismo e a teoria dos traços distintivos contribuíram para a fonologia atual com os seguintes aspetos:

1. desenvolvimento de duas propostas de descrição e classificação da fonologia das línguas baseada no conceito de traço distintivo, unidade menor dentro do fonema e que é responsável pelas oposições distintivas. Estas propostas foram, primeiramente, trazidas:

.. por R. Jakobson, G. Fant e M. Halle (1952), Preliminaries to Speech Analysis, com uma teoria de descrição fonológica baseada em traços acústicos. 

Segundo esta teoria, é proposto um sistema de traços que classificavam os fonemas em termos de oposições binárias (+/-), traduzidos em termos de presença/ ausência. Assim, os traços distintivos de base acústica eram constituídos por doze oposições binárias repartidos por três grupos:

Traços de fonte :
+/- vocálico;
 +/- consonântico

Traços de fonte complementar consonântica:
 +/- contínuo;
 +/- bloqueado;
 +/- estridente;
+/- vozeado

Traços de ressonância:
 +/-compacto (+/-difuso);
+/- grave (+/-agudo);
+/- bemolizado;
+/- diesado;
+/- tenso;
+/- nasal 


·. por N. Chomsky e M. Halle (1968), The Sound Patterns of English (SPE), com uma teoria de traços distintivos semelhante à anterior, mas de base articulatória. Esta proposta colheu mais adesão por ser uma proposta que vai ao encontro da investigação feita em fonética articulatória tradicional. 

Tal como na teoria acústica de traços, esta teoria vai apresentar um sistema binário de oposições distintivas de traços que, à partida, seriam suficientes para a descrição da fonologia de todas as línguas do mundo (Cf. conceito de Universais). 

Seguem-se os traços propostos por Chomsky e Halle, depois de selecionados para a descrição do português por M. H. Mateus (1974):

Traços das classes principais:
    +/-silábico [sil] (aplicado às vogais);
    +/- consonântico [cons] (aplicado às consoantes);
     +/- soante [soan]

Traços relacionados com o corpo da língua:
     +/- alto [alt];
     +/- baixo [bx];
     +/-recuado [rec];
     +/- anterior [ant];
    +/- coronal [cor]

Traços relacionados com a posição dos lábios:
    +/- arredondado [arr]

Traço relacionado com abertura secundária:
    +/- nasal [nas];
    +/- lateral [lat]

Traços relacionados com o modo de articulação:
    +/- contínuo [cont]

Traços relacionados com a fonte de emissão:
    +/- vozeado [voz];
    +/- estridente [est]

O sistema fonológico do Português foi apresentado por Maria Helena M. Mateus (1974) com base numa classificação dos fonemas através dos traços fonológicos distintivos de base articulatória (Chomsky & Halle) e apresenta o desenvolvimento de um sistema de descrição de regras fonológicas, a partir das Teorias dos Traços Distintivos apresentadas, em que o nível fonológico se relaciona com o nível fonético; a análise das regras fonológicas para o Português foi iniciada por Mateus (1974). 

A fonologia estrutural e generativa ocupou-se também, numa fase inicial, dos aspetos prosódicos relacionados com o acento, a sílaba, a entoação, o tom e o foco. Recentemente desenvolveu-se uma linha de investigação dentro da fonologia especializada nestes aspetos, a fonologia prosódica (E. Selkirk, 1980; M. Nespor & I. Vogel, 1982, 1983, 1986; S. Frota, 2000; M. Vigário, 2001; M.J. Freitas, 1997). Contudo, e uma vez que a fonologia não possui ferramentas de análise suficientemente capazes de dar conta dos fenómenos prosódicos, surgiu já uma área de estudo autónoma, a prosódia com um caráter muito interdisciplinar e com uma metodologia mais experimental e apoiada em análise computacional.



 Retroalimentação


I. Leia/Oiça o seguinte poema:

1. Identifique as realizações do alofone [E].
2. Releve alguns processos de redução de sílabas métricas.
3. Aponte razões que justifiquem a transcrição fonética no contexto/aula.



II. Atente no poema que se segue:
Um Sonho
Na messe, que enlouquece, estremece a quermesse...
O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas [1] e crótalos[2],

Cítolas, cítaras, sistros [3],
    Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...

Flor! Enquanto na messe estremece a quermesse
E o sol, o celestial girassol esmorece,
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! À flor destes floridos fenos...
         
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...

Como aqui se está bem! Além freme a quermesse
- Não sentes em gemer dolente que esmorece?
São amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor! À flor dos frescos fenos...
Teus lábios de cinábrio[4], entreabre-os! Da quermesse
O rumor amolece, esmaiece, esmorece...
Dá-me que eu beije os teus morenos e amenos
Peitos! Rolemos, Flor! À dos flóreos fenos...

Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse
E a flor que sonho? E o sonho? Ah! Tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...

                               Eugénio de Castro


1. Efetue o levantamento das principais repetições fónicas, nomeadamente:
    a) o alófone [E] da primeira estrofe;
    b) a líquida (segunda estrofe e verso 34).
    c) a sibilante presente na oitava.
    d) a aliteração em [f].
2. Dê exemplos de assonância.
3. Demonstre que a produção poética, assente no trabalho da componente fónica, está ao serviço do
conteúdo.


III. Passe para o código léxico-gráfico o seguinte poema (transcrito segundo o AFI):



© Manuel Fontão


[1] Sulfeto de mercúrio, vermelho e brilhante, que constitui a principal fonte de extração desse metal.
[2] Espécie de gaita-de-foles, com bordão .
[3] Instrumento de percussão da antiguidade egípcia e greco-romana, de formas variadas, feito geralmente de marfim ou de madeira, usado no culto de Cibele.
[4] Trombeta aguda usada entre os egípcios nos sacrifícios à deusa Ísis.

© Manuel Fontão

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