2011/11/30

Tarefa de planificação do processo

Ao que parece, certo dia, Chesterton encontrou uns pedreiros a trabalhar e ter-lhe-á ocorrido indagar sobre a tarefa que estavam a levar a cabo. Assim, perguntou ao primeiro pedreiro o que estava ali a fazer e a resposta foi imediata: Estou a colocar uma pedra. Mais à frente, colocou a mesma pergunta ao segundo pedreiro que lhe retorquiu deste modo: Estou a colocar uma pedra que há de ser um muro. Por fim, e um pouco mais à frente ainda, lançou a mesma pergunta ao terceiro e último pedreiro que lhe respondeu mais ou menos nestes termos: Estou a colocar uma pedra que há de ser um muro que há de fazer parte integrante de uma catedral [cito de cor].
Parece evidente que é este último pedreiro, o único que encerra uma visão verdadeiramente curricular do seu trabalho, pois que abarca o todo holístico...

Julgo de alguma utilidade afirmar, desde já, que me situo, aqui, no nível da planificação curricular de escola, o que significa que me coloco, com efeito, no ponto de interseção de dois níveis de concretização: o primeiro, aquele que toca de perto a planificação global de escola, isto é, a planificação que emerge e reflete a totalidade escolar e o segundo, muito justamente, aquele que se prende direta e estritamente com o docente, ou seja, a planificação que serve as necessidades curriculares de uma determinada área disciplinar e que constitui, afinal de contas, um documento-carrefour que atravessa diagonalmente o planificador na sua tripla dimensão: pessoal, profissional e institucional.

Face ao exposto, é fácil perceber o caminho a seguir, que se impõe quase de per se. Assim é. A planificação que vai ser, aqui, objeto de breve análise, será, como é óbvio, aquela que possui um caráter eminentemente operativo, ou seja, aquela que cruza – de forma transversal e de todo em todo precária – a cena didática. Ou melhor: aquela que atravessa diagonalmente o todo sistémico...

Antes de prosseguir, importa ainda esclarecer que considero consumada, como é lógico, a articulação curricular situada a montante e que traduz os níveis superiores de concretização e de operacionalização programáticas. Na realidade, deve explicitar-se que uma planificação curricular de escola, e, de forma mais precisa, uma planificação operativa tem de estar intimamente interligada, por exemplo, com as finalidades várias do sistema educativo. Mas não só. Ela deve refletir os princípios básicos e fundamentais de toda a ação educativa. Ela deve estar em consonância com as propostas curriculares definidas para os diferentes níveis de ensino. Ela deve, por fim, integrar-se num todo orgânico que constitui, na verdade, o sistema educativo, tal como ele surge consignado nos documentos legais [1].

Posto isto, importa referir que uma planificação reflete, com efeito, uma certa visão curricular e, em consequência disso, uma certa conceção do processo de ensino/aprendizagem. Assim, por exemplo, uma planificação que não contemple o diálogo aluno/aluno, deixa perceber que a dimensão interativa da ação educativa configura irremediavelmente uma forte estrutura hierárquica, e, nessa ótica, revela-se pouco consentânea com a democratização do enunciado e com a proletarização do discurso. Quero com isto significar que a tarefa planificadora é expressão, acima de tudo, da experiência biográfica do planificador [2], cujo hiperónimo é já a resultante do seu conhecimento teórico/científico/tecnológico, da sua sensibilidade sociocrítica, da sua capacidade de reflexão, do seu contexto cultural, isto é, do seu cortejo de crenças, das suas imersões (sub)culturais, das suas práticas individuais, etc.

Percebe-se o posicionamento teórico: a planificação, eivada, aliás, de preocupações de ordem antropológica, sociológica, psicológica e cognitiva, surge, aqui, como uma atividade capaz de promover toda uma série de estilos pessoais [3] e de atualizar formas de estar mais ou menos individualizadas e contextualizadas. Nesta perspetiva, a planificação surge inscrita num espaço, num tempo e numa estrutura interativa reais, e, de resto, lida com situações e atores reais, sendo que o professor responsável, nesta linha de pensamento, se apresenta, não como um consumidor de currículo, mas, antes, como um construtor de propostas curriculares, tal como o descreve Zabalza.

Face ao exposto, parece claro que não basta que o docente reja a sua prática docente pela panaceia da pedagogia dita por competências/objetivos, muito embora acredite que um professor não possa prescindir da sua explicitação teorética. Com efeito, e sem querer entrar aqui na polémica entre o modelo condutista e o modelo processual, a verdade é que toda a aprendizagem resulta, quer se queira quer não, de uma espécie de interação entre uma pessoa (no caso em apreço, o docente/planificador) e o meio envolvente (humano e físico). Ora, assim encarado, o sistema, enquanto conjunto de processos propiciadores de ambientes de aprendizagem, desemboca necessariamente numa modificação de comportamentos ou atitudes, o que significa, em última análise, que o professor planificador não pode abdicar da sua tradução em termos de competências/objetivos
Todavia, uma tal postura não significa, nem pode significar, que o professor centre a sua ação pedagógico/didática exclusivamente na enumeração de uma determinada sucessão de competências e/ou de objetivos de complexidade crescente e de acordo, de resto, com os princípios taxonómicos comummente aceites [4]. Não. O professor pode – e deve – planificar também em função das atividades/estratégias [5], até porque é justamente a atividade que anuncia e prefigura, por excelência, a pedagogia do projeto e que toca de perto, em última instância, a problemática da aprendizagem autónoma. Destarte, e contrariamente à obsoleta pedagogia por objetivos (herdada pelas teorias behavoristas), verdadeiramente finalista e determinista, a planificação centrada nas atividades favorece, de forma substancial, a formação integral do aluno. Mas não é tudo. Importa, ainda, que o professor planifique em função dos conteúdos, ainda que o modelo seja sentido, aqui e ali, como (um modelo) meramente instrutivo e datado no tempo. De resto, ninguém duvidará que os novos modelo de ensino/aprendizagem, encarados na sua totalidade, na sua renovação metodológica constante e na sua problematização permanente, acabam por encerrar e denunciar, lamentavelmente, todo um conjunto de traços mais ou menos tradicionais e avoengos e, se alguém duvidasse desta verdade axiomática, bastaria lembrar, por exemplo, os programas, os auxiliares didáticos, os métodos ancestrais – enfim, bastaria demonstrar o peso cultural que a visão cognitiva do ensino ainda encerra e trai...

De resto, importa ainda ter presente que a planificação curricular é função direta [6] de outros indicadores taxonómicos, a saber, os recursos disponíveis (ou a disponibilizar…), a variável tempo e o modelo de avaliação a implementar...

Face ao exposto, é justo concluir que uma visão do ensino não é válida no geral, mas, isso sim, apenas e sob certas condições de aplicação. Sob certos constrangimentos organizacionais. Sob determinadas variáveis de contexto.

Bibliografia essencial

Zabalza, M (2000) Planificação e Desenvolvimento Curricular na Escola, Porto: Asa

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[1] Refiro-me aqui, como se calcula, ao nível, não apenas da filosofia educativa, mas também do da política educativa, cuja planificação – estratégica – define os marcos axiológicos do sistema de ensino para uma determinada comunidade, e que, por conseguinte, é função direta, ou melhor, íntima das coordenadas espácio-temporais do momento. 
[2] Com efeito, o melhor paradigma, nesta matéria como noutras, será aquele que resulta da capacidade de reflexão do docente, ou seja, será aquele que é função, em última análise, das suas variáveis profissionais... [3] O estilo, para a linguística ou para a antropologia social, por exemplo, é uma ciência do desvio (Cf. Edward Sapir, que disse – e cito de cor – que ce qui conte, c’est l’écart), ou seja, obedece a uma análise diferencial (Cf. Derrida). 
[4] Refiro-me, em concreto, à orientação epistemológica que os objetivos devem refletir, sendo que devem obedecer a um conjunto mais ou menos variável de categoremas que partam, por exemplo, do [+ imediato], [+ concreto], [+simples], [+...] para o [- imediato], [- concreto], [- simples], [-...]. Por outro lado, parece claro que a seleção da competências e dos objetivos deve igualmente refletir uma certa representatividade relativa às três grandes taxonomias conhecidas (psicomotora, socioafetiva e cognitiva), sob pena de se ter de recorrer a uma autêntica hermenêutica das técnicas textuais...
[5] O composto constitui, por assim dizer, as duas faces da mesma moeda: a estratégia está, por conseguinte, para o professor planificador, da mesma forma que a atividade está para o discente. E não se pode, na realidade, perspetivar uma sem a outra: elas são indissociáveis e respondem, em última instância, ao par dicotómico do ensino/aprendizagem...
[6] Passo sob silêncio todo um leque de aspetos subsidiários que condicionam a tarefa planificadora…
© Manuel Fontão

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