2011/11/20

Os participantes na troca verbal

1. Os participantes

Trata-se, ninguém duvidará, do aspeto mais importante do quadro comunicativo. E soará quase como uma evidência afirmar que os participantes podem ser encarados sob múltiplos aspetos. Com efeito, e por razões de legibilidade, resume-se, no diagrama que se segue, a complexidade da matéria:


Inútil será dizer que cada um destes indicadores desempenha um importante papel na troca verbal de todos os dias, na medida em que está ao serviço do estabelecimento de uma certa representação mental (cf. a construção do ethos) que os interlocutores engendram paulatinamente acerca uns dos outros. 

Note-se, aliás, que estes pressupostos são válidos, mesmo se se trata de um primeiro encontro (cf. conversa telefónica Assistente TMN), pois que, como refere Goffman, eles [os interactantes] vão, desde a abertura [da interação] procurar uma plataforma de entendimento suscetível de servir de base à prossecução da troca [verbal, pois que] o diálogo amistoso entre pessoas que acabam de travar conhecimento comporta muitas vezes a descoberta de interesses e de conhecimentos comuns capazes de nos dar matéria a que possamos aludir. (1988: 68).

Claro que, se os interlocutores já possuem uma história conversacional comum, então, cada um dos locutores sentir-se-á compelido a manifestar ao seu interlocutor que guarda memória do(s) encontro(s) anterior(es) [1], designadamente o nome do seu interlocutor, mas também elementos da sua biografia. (1988: 13) [2].

Face ao exposto, uma importante conclusão se impõe, a saber, que a questão dos participantes implica, de alguma forma, a profunda reformulação do esquema tradicional assente na dicotomia emissor/recetor, tal como esta linguística de terceira geração [3] parece sugerir. Em boa verdade, durante uma interação verbal, L1 emite, com certeza, unidades verbais e não verbais, mas, ao mesmo tempo, recebe um conjunto de reguladores verbais e um vasto leque de sinais verbais emitidos por L2. Correlativamente, L2 escuta, certo, mas também recebe um feixe de sinais verbais e não verbais produzidos por L1, ao mesmo tempo que produz, também ele, reguladores verbais e um abundante material não verbal. Dito por outras palavras, parece, hoje, incontestável que, no decurso de uma troca verbal, os dois participantes[ 4] se encontram, pelo menos virtualmente, numa situação de emissão e de receção recíprocas, razão pela qual se prefere falar, nos nossos dias, de coenunciadores – e de coenunciado
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Notas:
[1] Aliás, um dos episódios mais famosos de La Cantatrice Chauve de Ionesco, a cena de reconhecimento dos dois cônjuges, assenta, no essencial, na amnésia social, isto é, na perda deste postulado de memória comum…
[2] A este propósito, cito de cor uma experiência de Garfinkel que dirigiu, neste domínio, um estudo polémico que consistia em pedir aos seus estudantes que se comportassem, em casa, com os seus familiares, como pessoas estranhas (alegadamente ter-se-iam esquecido desta bagagem partilhada), o que provocou crises afetivas bastante profundas…
[3] Expressão de Catherine Kerbat-Orecchioni.
[4] Como fica implicitamente dito, a análise centra-se no caso do discurso dialogal (situação-tipo), mas não se deve perder de vista o caráter redutor desta visão, pois que a prática discursiva contempla, como facilmente se compreende, esquemas dialogais que colocam em cena n-participantes.

Nota técnica: clicar na imagem para a expandir.
© Manuel Fontão

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