2011/11/20

Os objetivos da troca verbal

1. Os objetivos

Os objetivos da interação localizam-se a meia distância entre o quadro espácio-temporal (que, por si só, impõe um conjunto mais ou menos preliminar de restrições discursivas) e os participantes, que, também eles, estão imbuídos de objetivos próprios. 

De resto, importa notar que há autores que definem o objeto em questão em termos maximalistas e outros que defendem, antes, uma visão minimalista. Nesta última aceção, entende-se por (mini)objetivos todo um conjunto pontual de comportamentos discursivos correspondendo, por exemplo, a cada ato de fala particular realizado no decurso da interação verbal (e que podem ir até à sequência), ao passo que a primeira conceção se (con)funde com a noção linguística de script [1]. 

Como é o caso de outros constituintes do quadro comunicativo, também os objetivos preexistem, em certa medida, à interação verbal e são-lhe, por assim dizer, externos. Tal facto não impede, porém, de se considerar que os mesmos também sejam construídos na e pela interação. Aliás, o que se passa, na realidade, é que os objetivos são, a maior parte das vezes, co-construídos pelos participantes, que, no decurso da sua atividade, procedem a constantes (re)negociações, a reformulações pontuais das respetivas estratégias, a modificações das escolhas lexicais, sintáticas, argumentativas, etc. (sem esquecer a linguagem corporal, tanto mais que, no registo oral, é o olhar que designa indiciariamente o alocutário [2]). considerem-se, por conseguinte, os exemplos que se seguem (A-C):
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(A) […] portanto como é que podemos XXX continuar a falar de democracia XXX se aqueles que efetivamente governam o mundo não são elegidos eleitos democraticamente pelo povo quem é que escolhe os representantes dos países nessas organizações os respetivos povos não donde está então a democracia onde
Saramago
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(B) Ela tinha um primo [–] eh [–] um irmão [–] eh um filho do meu tio, enfim, era um primo por afinidade
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(C) As eleições vão ter lugar em junho [–] não [–] em maio creio eu [–] sim em junho [–] tenho a certeza [–] quase
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Notar-se-á que, em (A), a reparação é realizada através do simples mecanismo de acréscimo da forma correta (eleitos, onde). É que, contrariamente ao registo escrito, na produção oral só se pode eliminar uma incorreção pela justaposição de elementos, como é, justamente, o caso de (A), ou, então, pelo acréscimo de morfemas metalinguísticos de reformulação, como por exemplo, /ou melhor/, /assim é que é/, /para ser mais preciso/, etc. Já em (B), as autocorreções prendem-se com o objetivo de encontrar a palavra certa dentro do subsistema das relações parentais e, por fim, (C) tem um valor de precisão.
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[1] Um script pode resumir um conjunto de instruções, cujo esquema conceptual se poderá traduzir por /consulta médica/; /ida ao restaurante/; /compra de um par de sapatos/; /pedido de informações/, etc.
Note-se, a este propósito, que os scripts falhados estão, normalmente, ao serviço da caracterização de uma determinada personagem, introduzindo, por exemplo, um elemento disfórico da sua personalidade, como é o caso de Ricardo Reis, neste passo: O táxi arranca, o motorista quer que lhe digam, Para onde? E esta pergunta, tão simples, tão natural, tão adequada à circunstância e ao lugar, apanha desprevenido o viajante. (…) O motorista olhou pelo retrovisor, julgou que o passageiro não ouvira, já abria a boca para repetir, Para onde, mas a resposta chegou primeiro, ainda irresoluta, suspensiva, Para um hotel, Qual, Não sei (1984: 17). [Ora, uma corrida de táxi pressupõe que se saiba, entre outras coisas, o lugar de destino…].
 [2] Do mesmo modo, a cena de encerramento é essencialmente proxémica, neste sentido que não se efetua pela palavra, mas por um conjunto de movimentos quinestésicos (esgares, toques, aperto de mão, beijo, movimentos de afastamento, etc.), como demonstram à saciedade, Vladimir e Estragon em À Espera de Godot ( Samuel Beckett)…
© Manuel Fontão

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