2011/11/19

Estrutura linguística das trocas verbais

1. Estrutura das trocas verbais

1.1. A toma da palavra

Um dos princípios reguladores da interação verbal, para lá da sua diversidade de formas, assenta numa regra básica, a saber, o sistema de alternância de vez. Com efeito (tal como na circulação rodoviária), quando um locutor L1 está no uso da palavra, L2 (e eventualmente L3, L4, etc.) estão, em princípio, obrigados a ceder a vez, pois que, caso contrário, será o sucesso da empresa dialogal que está em causa, até porque duas vozes sobrepostas no continuum temporal produzem ruído, cacafonia – e não significação. Ora, como se perceberá, a gestão da (re)toma da palavra, tão anódina em aparência, encerra um sem-número de matizes ao serviço da constante (re)definição do ethos dos interlocutores. Aliás, em certos contextos (e.g. os debates televisivos) a infração desta regra pode provocar algum desconforto e resultar, inclusive, na exclusão do jogo discursivo. De facto, os exemplos abundam nas sociedades hodiernas, altamente mediatizadas, em que as eleições se ganham, não nos comícios mais ou menos populistas de outrora, mas no ecrã televisivo. E de pouco vale, em boa verdade, o que um certo candidato terá ou não dito, uma vez que será a palavra do comentador político (politólogo) que se irá, definitivamente, sobrepor. Isto quer dizer que, se para um determinado comentador, o candidato presidencial x perdeu o debate político, isso implica necessariamente que x perdeu, efetivamente, o debate – tal é a força dóxica que emana dos media [1].

1.2. Ato de fala

O termo, superveniente da filosofia analítica, mais precisamente do domínio da teoria dos atos de linguagem, aplicou-se, originariamente, aos atos não verbais e, só numa fase posterior (na circunstância, com o desenvolvimento da pragmática), o conceito viria a ser aplicado, por analogia, aos atos verbais.
De resto, os atos de fala foram objeto de vários estudos (cf. os trabalhos de Austin e de J. Searle), cuja sistematização faz parte do domínio da pragmática, de que esta abordagem é uma dos ramos.

1.3. Summon/Answer (SA)

O sistema SA é, para Goffman, a unidade conversacional mínima, que consiste, no fundo, num par adjacente responsável pelo encadeamento sequencial. Todavia, para Catherine Kerbrat-Orecchioni, não existem pares adjacentes, pois que, na prática, qualquer troca verbal, inclusive as fórmulas de saudação e as conversas telefónicas, encerram uma espécie de aviso de notificação que importa entregar ao remetente (A). Seja, pois, a fórmula de saudação que se segue:

(1A) Bom dia. Como vai?
(1B) Bem, obrigado!

Na realidade, percebe-se o caráter truncado desta troca verbal, pois que (B), sentindo-se em dívida , está obrigado a endossar a (A) a mesma pergunta, sob pena de ser acusado de grosseiro . Assim, é previsível que - as regras de cortesia a isso o obrigam! - produza um enunciado do género:

(1B’) E você?
(1A’) Como sempre…

Ora, como se pode logicamente concluir, o esquema prototípico não é [A-B], como pretendia Goffman, mas consiste, antes, numa tríade [A-B-A]. Em rigor, para aquela autora, o par adjacente não resolve, de todo, os problemas de fronteira [BB'], não obstante, na minha opinião, se poder considerar, pelos menos em termos teóricos, a estrutura SA...
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[1] Aliás, o mesmo raciocínio poder-se-ia aplicar aos comentadores do universo cinematográfico. Todavia, importa precisar que o veredicto do especialista na matéria /o filme é mesmo mau/ não assenta em premissas objetivas, mas, bem pelo contrário, em pressupostos claramente subjetivos (juízo de valor), cujos premissas, regra geral, não são, infelizmente, explicitadas. De resto, se existem filmes considerados /bons/ pelos fazedores de opinião, mas que, após a respetiva exibição, acabámos por considerar, afinal de contas, verdadeiramente medíocres, a verdade é que o contrário constituirá também, por certo, um dado empírico, i. e., deverão, segundo toda a probabilidade, existir filmes rotulados a priori de /maus/ pela crítica cinematográfica, mas que, segundo toda a probabilidade, poderemos vir a gostar…
© Manuel Fontão

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