2011/10/08

Políticos VS trabalhadores

O semanário SOL lançou, na sua edição online de 4 de outubro, um artigo (Mundo de regalias em empresas públicas), no mínimo, duvidoso. Mais parece um jornalismo virado para a intriga estéril e para o bota-abaixismo, muito à laia da estratégica socrática, que conseguiu, infelizmente, unir a opinião pública contra os professores – meros executantes da política educativa do país.

Com efeito, a mim, pouco me interessa se uma empresa (pública ou privada) concede – ou não – alguns benefícios a quem, de facto, trabalha, isto é, aos seus diretos colaboradores. Trata-se, no fundo, de um ato de gestão interna, caucionada, em última análise, pela cadeia hierárquica e cada empresa, ou melhor, cada gestor, saberá, em definitivo, com que linhas se cose. De resto, e mais grave do que isto, são, parece-me, os privilégios atribuídos aos homens de gabinete, aos responsáveis de topo, que, esses, sim, levam para casa – e para os seus comparsas – a maior parte dos dividendos do erário público. E, a este respeito, nada é dito sobre o assunto, preferindo-se atacar os trabalhadores indefesos, estratégia, por certo, mais fácil, mas, sem dúvida, a mais hipócrita que se possa imaginar…

Face ao exposto, e num momento em que está na moda pôr em causa os direitos de quem está na base da pirâmide, a peça mais parece uma diatribe gratuita, que, obviamente, não acerta – hélas! – no alvo: lança um anátema perigoso sobre pessoas que têm visto as suas remunerações mitigadas, e, sobretudo, estigmatiza quem trabalha – uma massa anónima que não tem, como é óbvio, responsabilidades diretas na gestão empresarial...

Mas procedamos, neste capítulo, a uma breve análise comparativa dos factos: o que é custará mais ao contribuinte, uma viagem em primeira classe de um avião (cheio de lugares vazios...) ou de um comboio (que viaja às moscas...) de um funcionário (comprometido com a sua empresa) ou uma reforma vitalícia abusivamente atribuída ao Dr. Marques Mendes – ele, que surge como cabeça de tripé do referido artigo? O que é custará mais aos depauperados contribuintes portugueses, uma reposição do salário de um simples funcionário ou o vencimento de um subdiretor da empresa em causa, omitindo as mordomias de que é imoralmente objeto, como, por exemplo, as ajudas de custo (!), os cartões de crédito de que é portador (Cf. Metro do Porto), o carro de serviço, etc., etc. Em suma, o que é pesa mais ao erário público, a folha de remuneração de uma centena de operacionais ou a folha de honorários de um único gestor - ou (seu) assessor?

Haja moralidade, pois então! Corte-se, primeiro, nas mordomias e nos privilégios dos administradores, dos políticos e pseudopolíticos. Corte-se, primeiro, naquilo que é, realmente, imoral. E os exemplos, infelizmente, abundam, nesta matéria! Estão aí, a escassos centímetros do nariz! Estão aí, a obstruir as consciências mais espessas. Pelo que, optar por este tipo de análise é, cara Joana Ferreira da Costa, tentar criar uma cortina de fumo para ocultar o problema de fundo: a grande disparidade dos sacrifícios pedidos aos portugueses e as reais regalias de que usufrui a classe política portuguesa...

Em boa verdade, não se percebe por que motivo um político se possa aposentar ao cabo de sete anos de bom – ou mau – desempenho, com todos os seus direitos adquiridos (?), reais e imaginários, quando um português comum, esse, necessita de 30 anos de trabalho efetivo. Não se compreende que os políticos possam acumular várias e chorudas reformas (cf. Cavaco Silva), quando o comum dos mortais vê a sua reforma gradualmente reduzida e implacavelmente taxada pela Agência Nacional de Impostos (vulgo Ministério das Finanças). Não se entende que a retenção de IRS seja majorada para o trabalhador em geral, enquanto os políticos, magistralmente, se concertam, entre si, para usufruírem de uma taxa de retenção bem mais razoável. Não se concebe, à luz da equidade e do bom senso, que todo e qualquer cidadão pague, a preço de sangue, as suas férias – e muito bem, note-se! – ao passo que os políticos, esses, viajam, bebem, comem e gozam o seu merecidíssimo período de férias a expensas do contribuinte estultício. Aliás, ainda se concebe menos que os meritíssimos representantes do povo o façam, a maior parte das vezes, na companhia de uma centena de comparsas, com todas as despesas incluídas, claro, e que, a exemplo de D. João V, mandem meter na conta… da cousa pública.

Enfim, poderia, como se calcula, alongar a lista das ilegalidades, mas o tempo escasseia. E, de resto, as coisas são como são. Continuaremos a ter jornalistas mais ou menos inconsequentes como a porventura ingénua Joana Ferreira da Costa, que consegue ver a árvore – mas não a floresta. Continuaremos a ver políticos de mãos sujas que se hão de juntar, em guisa de reação corporativa, contra o ignorante povo que o elegeu. Continuaremos a ter de conviver com uma classe política que, em muitos aspetos, faz lembrar as inverosímeis personagens romanescas dos séculos XVII e XVIII: entram nos cafés, nos restaurantes, nas boutiques, e, por artes mágicas ou por qualquer outro artifício sobrenatural, saem invariavelmente sem pagar - a coberto de um leitor desabusado e inocente. Em suma, continuaremos a vislumbrar colossais buracos em organismos ainda colossalmente ignotos e a canalizar verbas colossais para outros, igualmente fantasmáticos e colossais, como por exemplo, a Casa Civil da Presidência da República, que, em vez de pagar o aluguer de um palácio que não lhe pertence (cf. primeiros presidentes da república…) e do ritmo de vida fasto e colossal do seu séquito, vive, tal uma colossal sanguessuga, a expensas dos dinheiros públicos. E tudo isto porque vivemos, afinal de contas, num país estranho. Colossalmente estranho… até que se opere uma verdadeira revolução social. Que já não vem longe. A bem da nação, pois então…

NB.: imagem google.
© Manuel Fontão

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