2011/09/18

Querido Jardim

Caro Alberto João,

Escrevo-lhe do continente português, uma terra boa e fértil, onde o senhor, ainda imberbe e incógnito, cursou as leis com que, depois, se regeu, lembra-se? Sim. Falo-lhe de Coimbra, das tertúlias havidas nas margens tépidas do Mondego, dos excessos que, por vezes, cometemos. Ora, éramos jovens, trazíamos no peito as máximas de Marx, as utopias de Engels e as doutrinas de Prudhomme. Oh! Que saudades, meu caro! Tudo nos era permitido, tudo era divertido e imaculado e o querido amigo cá ficou, mais de uma década, para finalizar um mero curso de Direito, que, antes de começar, já era torto. Lagarto, lagarto! Não nos alonguemos, por conseguinte, nesta matéria, não vá o diabo tecê-las, que, isto de inconfidências, não cabem no preço justo do espaço público…

Pois bem! Avancemos! Após a juvenil estadia nesta terra de ruins sarracenos, o meu caro amigo rumou até à Madeira, um espaço, então, inóspito e rodeado de perigos vindos do mar. Ah! Meu caro Alberto João, o mar escondia, à época, abismos intransponíveis, ocultava divindades marinhas insondáveis, em suma, entidades fora do alcance do entendimento humano. Ele era o Adamastor. Ele era o Cabo das Tormentas. Ele era o famigerado canto das sereias. Ele era o assombro da Quinta da Vigia. Ele era a chama viva dos ideais independentistas. Ele era, enfim, a famosa síndroma de São Lourenço. E, o que é certo, é que o meu querido amigo (se calhar ainda não me está a reconhecer, pois não?...), construiu um verdadeiro jardim, ou melhor, vários jardins, inclusive o Botânico, autênticas obras primas de um Portugal desconhecido, de um país que, então, desconhecia a sua verdadeira sina: a de ser sistematicamente liderado por uma gente estranha, de natureza tacanha e subjugada por uma mentalidade predominantemente cubana: os saloios de uma Lisboa ainda menina e moça, isto é, de uma cidade ainda púbere…

Que pretendo, afinal, afirmar com todo este galimatias? Pois bem, joguemos claro: eu sou, ainda e sempre, aquele rapazito que se sentava à direita do pai todo-poderoso, o meu Alberto das horas boémias, que bramava, nos idos de 1970, mais justiça e, vamos lá, mais uma imperial paga pela fazenda funchalense, ou, dito por outras palavras, eu sou aquele jovem que percebia já, nos lábios do aluno doutor uma certa veia política, um certo trejeito prevaricador tão necessário ao meio da realpolitik.

Os anos passaram. Coimbra mudou. As décadas moldaram, inevitavelmente, o líder à sua real dimensão. Claro que as más-línguas, essas, preferirão falar de tiques de autoritarismo. De arrogância. De prepotência. Mas é a célebre história do burro, meu querido condiscípulo. Há sempre alguém que diz não. Há sempre alguém que se julga dono da razão. Há sempre umas quantas ovelhas tresmalhadas que resistem à rinocerontite. A todos esses, vai, pois, o nosso profundo desprezo e uma pena incomensurável de não os termos anulado com as ações patrióticas da FLAMA. Porque, quem o conhece, sabe, tal como eu, que o Alberto João se define por ser um verdadeiro timoneiro, um homem que interpretou, cabalmente, o seu papel e que acabou, quer se admita, quer não, por fazer história – ainda que se trate, aqui, de um somatório de prematuras inaugurações para cubano ver e de alguns excessos carnavalescos a fazer lembrar as bacantes gregas...

Contudo, meu caro Alberto, recebi, hoje, uma triste notícia: dizem, por cá, que o meu caro amigo pôs em risco o programa da Troika (cá entre nós trata-se de uns troika-tintas, bem à maneira lusa…). Mas não acredite nisso, amigo meu. O que estes tipos sentem, isso sim, é uma enorme inveja, uma imensa dor de cotovelo, sei lá bem, meu querido condiscípulo, estes tipos têm um enorme complexo de inferioridade, e, em último recurso, nunca suportaram o sucesso estrondoso que o Alberto obteve na construção ab ovo da sua Madeira natal. Que quer? Há pessoas assim, sempre prontas a denegrir a imagem de um político, alto e impoluto, e, neste capítulo, só lhe peço, por uma réstia de amizade que creio existir entre nós, que não lhes leve a mal por isso. É uma espécie de gentalha que não olha a meios para atingir os seus fins, ao contrário do senhor, que consegue todos os seus objetivos, intermédios e terminais, racionalizando os recursos disponíveis, otimizando as receitas supervenientes da odiosa capital colonial e recorrendo, em caso de necessidade, a um aparelho retórico da maior eficácia.

Tudo isto para lhe confessar que me sinto, hoje, literalmente arrasado. Então não é que aproveitaram a ausência do nosso Primeiro, que, ao que parece, foi visitar o cachorro da Sra. Merkel, um tal Sarkosy que adora, segundo dizem os seus mais íntimos amigos, o deus Baco, e, do alto das suas ideias europeístas, lá conseguiram tirar mais um Coelho da cartola. Inadmissível, meu caro! Simplesmente asqueroso. Mas que falta de chá. E de simpatia. Então isto faz-se, assim, na presença da impassível Carla Bruni e de toda a coorte de rafeiros que grassa pelo Eliseu! Claro que é um ultraje ao seu trabalho. À sua obra. Aos seus préstimos em prol da república – ainda que muitos admitam, por um especioso raciocínio, tratar-se de uma República das bananas.

Querido Alberto, não apreciei, de todo, a cilada que estes cubanos malcheirosos lhe armaram, os quais pertencem, repare bem, à mesma família partidária. A sério! Ausentarem-se do país para lançarem, nas suas fartas costas, a bomba atómica dos tempos modernos!... Claro que é um golpe baixo que o deve ter atingido no baixo-ventre. Claro que é um coice nas suas partes íntimas. Claro que é um sinal de profundo abandono, e, decididamente, não posso aceitar que, num país sério e íntegro, como é o nosso, se lance, assim, os seus mais veneráveis homens aos tentáculos do quarto poder. É, de facto, um vexame. Uma humilhação sem nome. Uma desonra. Por isso, caro Alberto, não desarme: faça sentir, alto e bom som, a sua revolta interior, desmonte, peça a peça, a tal cabala – porque kabala há, com certeza – que se incrustou no país, em resumo, grite bem alto a revolta que, certamente, o invade. Porque um homem é um homem mais as suas contingências financeiras, não é? Porque um político é um político mais as suas idiossincrasias naturais, não lhe parece? Em suma, porque o Alberto João é um jardim que não pode viver, qual vigia universal, sem um repasto farto, sem uns trocos vindos, a conta-gotas, do poder central e colonial, não acha?

Querido Alberto João, escrevo-lhe, como já se terá apercebido, da minha Vila do Conde régia para lhe gritar bem alto a minha revolta surda. A minha estupefação. O meu embasbacamento. Não! As coisas não se fazem assim. As coisas não se podem fazer assim. Há, nesta matéria, toda uma deontologia profissional a levar em linha de conta. Há, nestas guerras fratricidas, todo um código ético que importa respeitar. Em suma, há que observar as leis da reciprocidade e da decência. E, face ao turbilhão de notícias que têm vindo ultimamente a público, caro Alberto João, sinto-me verdadeiramente achincalhado, eu que nutria uma simpatia desmedida pelo meu companheiro de direito civil.

Tenho, todavia, para mim que foi o meu amigo Alberto quem definiu o timing, foi o senhor quem convocou Portugal para o importante debate das suas contas públicas, ou, dito por outras palavras, estas coisas só vieram a lume com a sua anuência, a corja de jornalistas só difundiu a má boa nova graças à sua generosa complacência e à indulgência de um partido de consciência pesada. Claro que se trata, eu sei, de uma hipótese maquiavélica, mas que a estratégia resultou em cheio, lá isso resultou, caro amigo, tanto mais que o dono da loja maçónica se encontrava, justamente, a mercadejar com o comércio grossista da nossa querida Europa. Assim, e sem prejuízo do pensamento especulativo que acabo de aduzir, queria endereçar-lhe, por defeito e a bem da nação, os meus parabéns, e, claro, a minha profunda e beata admiração. Que o Alberto João é, sem dúvida, o paradigma do político perfeito. É o modelo democrático a seguir por excelência – razão pela qual o meu caro amigo tem sido, injustamente, perseguido.

Face ao exposto, resta-me, pois, desejar-lhe as maiores felicidades para o seu próximo mandato, que o povo, esse, é sereno. E estranho. Como estranha é a sua Madeira. Como estranho é o nosso triste Continente - que não tarda, há de enviar-lhe, estou certo, uma nova e choruda remessa de fundos...

Um familiar abraço do

Manelinho*

* Ex sem-abrigo, colaborador do QL em regime de avença, que o homem das estranhas olheiras tributa a tempo inteiro.

© Manuel Fontão

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