2010/08/23

A MÚSICA_ELEMENTOS DE POSSIBILIDADE_4. CONCLUSÃO

Une musique commence là où la parole est impuissante à exprimer.
Debussy, Claude (1980 : 703)

Ora, num contexto da especialização das tarefas, da racionalização dos meios, da optimização do produto, em suma, num contexto de certeza científica, o homem assistiu, aparentemente impávido e sereno, ao advento do Estado-Nação, ao Estado-planificado, que, entre outras coisas, promoveu a educação de massas, institucionalizou a escolaridade obrigatória e assumiu, pelo menos parcialmente, a produção artística.

Claro que um tal contexto da mudança, cuja unidade conceptual resume as doxa do mundo hodierno, traduz, a meu ver, o conflito latente entre, por um lado, o edifício da pós-modernidade (ao qual ainda não nos adaptámos) e, por outro, a psicografia do homem (que não terá ainda abandonado os seus comportamentos modernos). Assim, todos nós somos, hoje, confrontados de forma mais ou menos violenta com (a) a flexibilidade da economia (assente, no essencial, em tecnologias e processos de produção mais fluidos, em novos tipos de relação entre o produto cultural e o consumo, em novas utilizações do espaço geográfico e, por fim, numa constante rotação das tarefas momentaneamente atribuídas…), (b) com o paradoxo da globalização (que, por um lado, conduz à interiorização de novos e longínquos códigos de valores e, por outro, ao reforço dos bens de consumo nacionais, isto é, à xenofobia… ), (c) com as certezas mortas (na medida em que a ciência perdeu toda a credibilidade e que a crença pia no Grande Arquitecto foi irreversivelmente destituída, em Paris, em plena Place de La Grève no dia 21 de Janeiro às dez da manhã…), (d) com o modelo organizacional caleicoscópico (que é função da adaptabilidade, da criatividade, da ductilidade do indivíduo…), (e) com a volatilização da consciência individual (em que a imagem instantânea e a representação simulada do espectáculo musical, por exemplo, se substitui às suas coordenadas deícticas – transformando, definitivamente, o homem pós-moderno numa criatura auto-referencial e autotélica… ) e, enfim, com (f) o fenómeno recente da simulação segura (superveniente da crescente sofisticação tecnológica, em que a imagem mediatizada dum concerto, por exemplo, supera a sua própria representação, única e irrepetível… ). Todos nós, dizia eu, nos debatemos, hoje em dia, num contexto de alteridade, mas ainda não somos – hélas! –capazes de dar uma resposta positiva e eficaz às novas variantes contextuais. Razão pela qual a condição pós-moderna do homem não pode deixar de ser complexa, contraditória, ambivalente – em suma, transitória. Por definição (pois que a mudança implica que o processo se encontra em aberto…).

Tenhamos, todavia, confiança no futuro. E nas características diferenciais do artista. Isto é, na inteligência do músico. Na sensibilidade estética do compositor. No poder criativo génio. No amor filantrópico do kibernetes. É, aliás, sob a sua batuta (do Maestro) que a humanidade pautará o seu devir. Que o homem coetâneo encontrará o seu caminho. Até porque escrever uma boa fuga, um bom coral ou uma boa sonata em dó maior, é um indicador claro do domínio do artista sobre a matéria mais restrita. E, no final, vencerá, creio, a ideia. O espírito. A comunhão das almas. A essência do ser humano. Que é isso, ao fim e ao cabo, que nos separa da animalidade…
© Manuel Fontão

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