2010/08/23

DESIGN GRÁFICO_O PODER DA COMUNICAÇÃO_3. APLICAÇÕES PRÁTICAS

3. 1. O CARTAZ HUMANITÁRIO

O designer gráfico, como ficou dito acima, define-se como um profissional da comunicação, na justa medida em que é ele que dá forma a uma mensagem, a uma ideia, a uma informação. Para tal, o designer começa, a maior parte das vezes, num quadro contratual, por analisar o conteúdo emergente, e, em seguida, organiza as suas componentes visuais, tendo em vista optimizar o projecto, isto é, tendo como objectivo tornar a mensagem funcional e inteligível para o público-alvo.
Por conseguinte, é este percurso de (des)construção que pretendo, aqui, levar a cabo, sob a forma de tópicos, dado o quadro exíguo deste trabalho.

Ora, no caso em apreço (cf. imagem), a mensagem visual mostra a localização rigorosa do sismo, recorrendo às técnicas da simulação segura, e evoca, pelo viés da hipérbole, a linguagem do especialista, na ocorrência, o epicentro e o raio de acção do abalo. Todavia, note-se, em guisa de parênteses, que o cartaz convoca tematicamente a tragédia, mas evita de forma manifesta, qualquer alusão concreta ao sofrimento superveniente do próprio tema. Percebe-se a estratégia comunicativa: o potencial donatário é poupado ao horror, não por piedade, mas para mitigar a sensação do déjà vu, pelo que o beneficiário, esse, é salvaguardado na sua privacidade... que ele há momentos na vida de cada um de nós que nos pertencem – hélas! – por inteiro.

Por outro lado, o cartaz coloca em evidência um interessante jogo cromático, a saber, (a) o azul, (b) o amarelo e (c) o vermelho , sendo que (a) o azul, aqui, remete o destinatário para a ideia de serenidade telúrica, (b) o amarelo antecipa o perigo difuso, a ameaça vaga, quer dizer, algo, no fundo, que extravasa os contornos físicos do país da catástrofe e invade metonimicamente o planeta, e, por fim, (c) o vermelho, metáfora da morte, serve de molde ao texto e ao local do sinistro. Deste modo, instaura-se uma solução de continuidade (uma empatia) entre o sinistrado e donatário, que, também ele, está sujeito às contingências dos movimentos abruptos da terra e ao terror.

Resta, por fim, o objectivo que a linearidade textual deixa em aberto (Te necessitamos para reconstruirlo) e que o texto icónico explicita: a casa, desenhada no canto inferior esquerdo do cartaz, remete o donatário para a simplicidade da tarefa e o tipo de letra que serve de molde à frase emblema (Un techo para mi Pais) evoca o emissor e beneficiário do pedido de ajuda: uma criança em idade escolar.

Passo sob silêncio o valor aspectual do pretérito perfeito (movió), em contraste com o imperativo (muevete tu), que põe a nu, no primeiro caso, um ponto de culminação (um intervalo fechado, situado no eixo do tempo) e uma injunção (com valor de futuro), que, no plano ideológico, instiga o donatário a ir ao encontro do haitiano, impelindo o potencial cooperante a ser dinâmico no seu acto de dar.
De igual modo, não me alargarei na análise da frase subordinada final (para que miremos a Haiti), que, curiosamente, parece socorrer-se de uma moraleja, a saber, que a Terra (hiperónimo) e o Haiti (hipónimo) instauram entre si uma relação de necessidade, uma conditio sine qua non para que o país fosse finalmente objecto de atenção. Mas não se caia no logro, porque a questão é, tão-somente, a de acicatar o donatário para repor a justiça… entre os homens.

3.2. O CARTAZ POLÍTICO

O cartaz ao lado encontra-se espalhado um pouco por todo o lado pelas terras venezuelanas. Em boa verdade, é possível vislumbrá-lo sob a forma de autocolante em artefactos tão diversos como a traseira de uma viatura, numa T-shirt ou num muro cinzento da cidade de Caracas. O slogan, esse, faz parte dos discursos oficiais, designadamente, das formas de encerramento das prédicas presidenciais e das festas-comício.

Ora, o que chama desde logo a atenção, é o cromatismo tripartido do cartaz, que tem valor de símbolo na cultura venezuelana. Refira-se, todavia, que a escolha não é obviamente inocente, pois que o cartaz hipostasia as cores da bandeira nacional, distribuídas pela mesma ordem (o amarelo, o azul e o vermelho). Do mesmo modo, as três figuras, simetricamente distribuídas pelas diferentes cores, evocam, não apenas as preocupações sociais do país (a saber, a equidade, a justiça, a igualdade, a fraternidade, o nivelamento económico, etc.), mas também as bases socioculturais da Venezuela, designadamente, a tolerância étnica, o multiculturalismo, a aceitação do outro, a alegria, etc.
Aliás, a simetria do cartaz é igualmente notória ao nível da mancha textual, em que o conteúdo (Venezuela) abrange e subordina hierarquicamente o continente (venezuelanos), impressão essa que se prolonga segundo um esquema 3 x 3, quer dizer, três cores x 3 concidadãos anónimos – cuja enumeração funciona, aqui, como uma representação do cidadão nacional venezuelano.

Face ao exposto, parece doravante claro que o cartaz encerra uma dupla mensagem: uma de raiz eminentemente social e humanista, como ficou demonstrado supra, e, uma outra, de natureza política. De facto, o advérbio de tempo (ahora) marca indelevelmente uma ruptura com o passado sociopolítico (ao levantar o pressuposto de que no tempo anterior (t-1) a Venezuela não seria de todos, mas que estaria nas mãos de uma determinada casta política…) e, desse modo, faz pender o todo gráfico para uma lógica de poder (to) diferente da do estádio anterior (t-1).

Nesta perspectiva, é a própria mensagem sociocultural que se encontra afectada, pois que já não se trata do cidadão anónimo, atemporal e ideal, o venezuelano-tipo (real ou imaginário), que, independentemente da vontade política do momento, se mostra espontaneamente tolerante, equitativo, justo, fraterno, etc., mas, antes, aquele que surge reinterpretado pelo (novo) aparelho doutrinário, aquele que surge (re)investido de novas responsabilidades cívicas, em suma, aquele que é paradigmaticamente (re)desenhado pelas novas classes dirigentes. De resto, as balizas cronológicas do cartaz encarregar-se-iam, por certo, de corroborar a tese, mas a análise não cabe infelizmente no quadro deste trabalho.

3.3. O CARTAZ CULTURAL

O cartaz ao lado tem a particularidade de colocar o texto icónico ao serviço da mancha gráfica e se grafismo existe – porque há! – ele encontra-se inteiramente subordinado à palavra, a começar, obviamente, pelo título da peça.

Na realidade, o título da peça LA CANTANTE CALVA encerra e condiciona o elenco, o que deixa antever que, mais importante do que o actor, será o que ele (não) diz. De resto, deve acrescentar-se que o uso da maiúscula e/ou da minúscula se encontra, logo de entrada, em perfeita cacofonia, pois que o L (maiúsculo) se confunde, em altura, com o a (minúsculo), o n assume uma forma especular e, em última análise, o tamanho da letra desafia o código linguístico, na medida em que não observa as proporções requeridas pelas normas instituídas.

Aliás, o mesmo se poderá afirmar da coda do título, pois que o C, o A, o L, o V e o A mostram e ocultam as personagens, sem que se perceba o que predomina: se o texto gráfico, se o texto icónico. Confusão apenas aparente, contudo. Que aquilo que é dado a conhecer é, sem sombra de dúvida, a informação principal (a palavra) e, aos actores, resta-lhes espreitar o espaço vazio deixado pela letra. Significa isto que a palavra é a escolha primeira, que a linguagem se assume, por assim dizer, como personagem principal, sendo que todas as outras (o elenco) não passam de personagens secundárias, figuras que têm apenas o direito a um espaço cénico precário e provisório - o de surgir à boca da cena de forma mais ou menos intermitente e, em último recurso, sob condição – a de que a palavra seja.

Curioso, por outro lado, é o facto de o elenco se traduzir, em termos fisiológicos, pelo olhar (que é, no fundo, o espelho da alma e a linguagem primeira) e pela boca, o lugar por excelência da palavra. Claro. O absurdo tem os seus limites. E um deles é, por certo, as funções biológicas consignadas ao acto da fala. Significa isto que o absurdo é, aqui, um mal epidérmico que não afecta as funções vitais, quer dizer, é algo que se situa à superfície, à flor da pele, em suma, um mal que vem de fora para dentro e que se traduz por pequenas taras linguísticas e psicológicas.

Já no que toca ao cromatismo, deve precisar-se que o folheto é de uma simplicidade extrema, pois que assenta na ideia de contraste: o preto sob fundo branco. Trata-se, por conseguinte, de optimizar o critério de legibilidade, e, por conseguinte, de facilitar a visibilidade da mensagem que surge curiosamente sob a forma injuntiva (no dejes de verla). Aliás, um outro aspecto a reter é o facto de o título da peça de Ionesco aparecer num segmento frásico dotado de uma certa orientação argumentativa, no caso concreto, de confirmação do sucesso anterior (t-1): La Cantante Calva já esteve aqui (t-1), o público adorou-a (t-1) e, por isso mesmo, a peça volta a estar em exibição (t0), ou melhor, regressa (regresa), o que carreia virtualmente para o enunciado uma certa carga afectiva, corroborada, de resto, pela anaforização do título (verla). Estão, deste modo, estabelecidas discursivamente as premissas para o sucesso do espectáculo. Que a performance terá, por certo, confirmado...

© Manuel Fontão

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