2009/11/21

A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA... OU TALVEZ NÃO

A violência está na ordem do dia. O discurso contemporâneo, nesta matéria, muito in, poder-se-á dividir em três vertentes fundamentais, a saber, (a) um dicurso positivista e vernáculo, em que temos sintagmas tão curiosos como violência doméstica (como se o fenómeno fosse recente...) guerra de gangues, (como se os grupos rivais não se afirmassem, justamente, pelo confronto...) ou delinquência juvenil (como se os jovens de outrora não tivessem, em caso algum, cometido as suas travessuras...); mais na retaguarda, há (b)todo um vocabulário mais eufemístico, mas que nos remete para o mesmo campo semântico, como seja, a questão dos bairros problemáticos, de zonas de risco, de grupo de exclusão (ou excluídos), de limiar de pobreza (sem que ninguém perceba muito bem do que é que se fala...) e, por fim, regista-se (c) um discurso semanticamente motivado, mas que pressupõe a mesma realidade, pois que quando se sugere, por exemplo, a necessidade de requalificação de uma certa zona urbana ou quando se alerta para a urgência de promover um determinado programa de inserção social, ou, ainda, quando se fala de incremento da segurança de pessoa e bens, o que está subjacente é, obviamente, o sentimento de que o quotidiano é sentido, de uma forma ou de outra, como algo de violento.

Falei, até aqui, de um fenómeno concreto e real, aquele que nos espreita a cada rua, a cada esquina e a cada bairro. Mas não basta constatar os factos. Há que encontrar uma estratégia de explicação - e esse trabalho, de carácter científico, parece estar por fazer. Claro que qualquer estudo, neste capítulo, não poderá ignorar aspectos centrais da contemporaneidade, como por exemplo, (i) o capitalismo neoliberal (que não leva em linha de conta as necessidades do outro), (ii) as assimetrias do tecido social (que divide o espaço urbano em várias camadas), (iii) o consumismo (cujas estratégias se inscrevem numa lógica mafiosa); (iv) a subversão do paradigma ético (em que o ter parece ter definitivamente cedido o lugar ao ser); etc.
Em suma, estamos perante um contexto global que urge questionar. Até porque toda esta violência simbólica (bem mais nefasta do que a anterior...) é imposta de cima, quer dizer, é promovida pelo poder - que se constitui, aliás, de forma ilegítima, i.e., violenta.
Ora, é este, parece-me, o grande paradoxo das sociedades hodiernas e, por muito democráticas que se (auto)intitulem, a verdade é que o problema se me afigura insolúvel, pois que a doxa emanente mais não é, de resto, do que a ausência de moralidade (legitimidade) que pesa sobre as intituições. Lá diz o velho ditado: com quem ferros mata...
© Manuel Fontão

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