2009/11/29

UM FEIXE DE LUZ NA CENA VENEZUELANA_07_LINHAS DE FORÇA

Do que ficou exposto na secção anterior, é possível destacar três linhas de força que atravessam diagonalmente a obra de Luz Urdaneta, a saber (a) o multiculturalismo, presente, não apenas nas realizações coreográficas (sonoplastia, luminotecnia, guarda-roupa, etc.), mas também a nível temática propriamente dito.
Uma outra linha de força reside no facto de a autora abrir alas, a cada sua nova realização coreográfica, ao cortejo de emoções e à liberdade criativa. Na realidade, a (b) tragédia emocional perpassa todas a sua vasta obra e, nesta matéria, são os universais dos sentimentos humanos que surgem reinvestidos de novas significações. Assim, quer se trate da sempiterna viagem em direcção à morte (Travesía), quer se trate do advento da menopausa (Claro de Luna), a questão central prende-se com o devir temporal, i. e., com a contingência humana, que se traduz, à superfície, com a sua luta contra o tempo – uma tragédia que se escreve e se inscreve, ora no plano pessoal, ora no plano colectivo e que tem nome: o destino.
Uma terceira força motriz da obra de Urdaneta é aquilo que eu designaria por (c) uma variável contextual e que mostra o homem, no caso em apreço, o caraquenho, face à sua urbe, face ao peso asfixiante da cidade, face ao seu dia-a-dia halucinante e violento. Ora, nesta luta titânica contra o contexto imediato, contra o emuramento tangível, ele, o homem, não vive, não pode viver, pelo que o seu estilo de vida é estritamente cibernético, i. e., teleguiado por um algoritmo fixo de acções (metro/boulot/dodo) e, nessas condições, importa, acima de tudo, orientar-se pelo instinto de sobrevivência, tal como na selva.
Claro que ele, o homem, acaba por escapar, pela recriação onírica, às garras inexoráveis do real (note-se que o seu reduto doméstico lhe revela, pelo fortemente dispositivo de segurança, pelo gradeamento, a violência física do outro…), mas a estratégia denuncia a sua natureza socializante. Que lhe resta, então? Exilar-se… De si próprio. Que não do mundo!
© Manuel Fontão

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