2009/11/11

NO METRO DE GRAN CARACAS...

12h27 min. Metro de Caracas. Uma senhora que faz uma primeira investida contra a íngreme escada rolante. Resultado: um inesperado passo atrás. Tão repentino e agressivo quanto o primeiro impulso de sinal contrário. Segunda tentativa. Mesmo resultado ou, para ser mais exacto, ligeiramente pior: dois passos atrás. Assustados. Incompreensíveis. Atónitos.

Face à singularidade da situação, os transeuntes, numa atitude pedagógica digna de registo, administraram-lhe, logo ali, na embocadura do estranho artefacto, uma pequena dose de reforço positivo: Suba! Suba! Mas não! A mulher não subia. A pobre mulher não podia subir. Quer dizer, ela queria, mas o seu campo de consciência não estava provavelmente preparado para a vida mecânica das grandes metrópoles. O seu corpo não se tinha habituado ao poder tentacular e devorador da máquina...
Que lhe terá faltado, afinal? Coragem? Não me parece. Força física? Hipótese absurda, pois que a escada traduz, justamente, uma economia de esforço.

O que lhe terá faltado, isso sim, terá sido a capacidade de interpretar a gramática da cidade. Terá sido a táctica. Terá sido a estratégia de bolso. Porque a vida urbana mais não é do que um conjunto de regras que requer uma hermeneûtica muito particular - a do indivíduo face aos obstáculos materiais - que terá, malgré lui, de interpretar. Sob pena de se mover na cidade como se movimenta no campo.
E, subitamente, na Califórnia, bairro da Gran Caracas, lembrei-me do pobre Cesário Verde, ou melhor, da forma como Alberto Caeiro o descreveu: parecia andar na cidade como andava no campo......




© Manuel Fontão

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