2009/07/31

O GESTO DE PINHO


O gesto sai das entranhas da criatura humana…
Quero com isto dizer que ele, o gesto, não pode entrar no espaço dialogal próprio do discurso político. É que o jogo político é um discurso do faz-de-conta e, como tal, pertence ao parecer-ser, ao passo que a linguagem gestual, essa, revela o homem, põe em evidência o seu cortejo de crenças e de emoções, enfim, ostenta tudo aquilo que não pode vir à superfície, sob pena de ser severamente censurado pelas sociedades da razão.
Na verdade, ao contrário do signo linguístico, que passa pelo viés da interpretação e, como tal, é tributário de uma subjectividade mais ou menos latente (mas sempre passível de ser rebatida à luz de uma teoria argumentativa), o mimo, esse, signo semiótico por excelência, substitui-se por inteiro à linguagem verbal, inscreve o homem nas suas origens genuínas, autênticas, primárias (e primeiras). Em suma, o mimo promove o reencontro onírico com a besta, com a criatura instintiva, e, nessa qualidade, o homem faz eclipsar o elemento político, faz desaparecer a sua idade de razão, renegando por completo a sua dimensão histórica ou social.
Assim é. O gesto é tudo. Logo, não há mais espaço de manobra para a continuidade discursiva, tal como ela é entendida nas lides políticas, isto é, tal como ela deverá ser percebida: como desempenho caleidoscópico de papéis sociais. É que a linguagem mimética veicula valores absolutos e vericondicionais, na medida em que, entre outros factores, impõe silêncio ao outro, aniquila o adversário, redu-lo ao nada. Aliás, se o gesto for de natureza insultuosa,por exemplo, o resultado será bem mais notório e espectacular, pois que o insulto mais não é do que a expressão máxima da vontade de poder antropomórfico – ao contrário do signo linguístico, que, esse, por mais insultuoso que seja, não obriga o outro a perder irremediavelmente a face.
Vem isto a propósito do gesto de Manuel Pinho, aquando de um debate parlamentar, na circunstância, o célebre jogo de indicadores : um gesto inofensivo, em si mesmo, mas repleto de conotações culturais e de emoções mais ou menos cristalizadas. Note-se, de resto, que o índex não é o marcador comum para estigmatizar o outro, mas pouco importa a matéria-prima do desenho, dado que o que prevalece, neste âmbito, é, fundamentalmente, o seu conteúdo ideológico. E a ideia, o preconceito cultural, o interdito social estava e a prova disso mesmo é que o país se reviu genotipicamente representado no e pelo sinal.
Posteriormente, e como se sabe, a cabeça de Pinho viria a ser sacrificada. Foram-lhe os indicadores, ficaram certamente os anéis – aos quais serão, por certo, acrescentados outros tantos (falo de anéis…) por um ber(n)ardo qualquer, mesmo ali ao virar da esquina…




© Manuel Fontão

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