2009/07/31

FUNCIONAMENTO DO DISCURSO POLÍTICO PARLAMENTAR


O FUNCIONAMENTO DO DISCURSO POLÍTICO PARLAMENTAR é uma obra que está dividida em cinco capítulos, a saber:

1. A ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO – ESTADO DA QUESTÃO;
2. PERSPECTIVA TEÓRICA E METODOLÓGICA;
3. DEBATE DA INTERPELAÇÃO AO GOVERNO – DESCRIÇÃO DO CORPUS DE ANÁLISE;
4. ORGANIZAÇÃO ENUNCIATIVA DO DEBATE DE INTERPELAÇÃO AO GOVERNO;
5. DOS DICURSOS DE ABERTURA AOS DISCURSOS DE ENCERRAMENTO – PERCURSOS ENUNCIATIVOS.


Palavras-chave: alocutário, análise do discurso, argumentatividade, configuracionalidade do texto/discurso, delocução, deícticos, doxa, enunciação, força locutória, locutor, modalização, polemicidade, polifonia, papéis comunicacionais, quadro comunicativo.

No primeiro capítulo (Análise do Discurso Político – Estado da Questão), a autora começa por definir os conceitos operatórios, ao mesmo tempo que procede à clarificação (i) do objecto de estudo (o discurso político), (ii) das suas funções distintivas, (iii) das noções de espaço individual (pessoal) e (iv) do espaço social (político), cuja linha divisória, como se sabe, não é estanque nem tangível. Com efeito, quando se fala de actividade discursiva – noção central do seu trabalho – torna-se espinhoso perceber onde começa a esfera do homem político e onde acaba a jurisdição da sua privacidade., tanto mais que, segundo a linguista, “a problemática enunciativa aparece desde o momento em que o sujeito é reintroduzido na linguagem, em que o sentido é indissociável dos actantes discursivos" (2000: 45).
Um outro aspecto de crucial importância para a definição do objecto, e que se prende com o discurso político, consiste na noção de argumentação que, tal como a autora refere, constitui “[um] processo [que se apoia] na partilha de saberes, não necessariamente explicitados, saberes esses que são comuns não apenas aos intervenientes no acto de comunicação, mas enformam a doxa, fazem parte do saber comum […]” (op.cit.: 35).

No capítulo 2 (Perspectiva teórica e metodológica), Maria Aldina de Bessa Ferreira Rodrigues Marques, ao mesmo tempo que passa em revista várias concepções inerentes às teorias da enunciação (apoiando-se, para o efeito, nos trabalhos já levados a cabo pelos seus antecessores – Benveniste, Ducrot, Anscombre, Mainguenau, Kerbet-Orecchioni – entre outros), explicita, de forma clara e crítica, alguns pontos menos claros e algumas contradições dos sistemas doutrinários em causa, não para assumir um corte epistemológico com o passado, mas para adoptar uma solução de compromisso na matéria. Na realidade, o seu estudo assume e prolonga os pontos de vista de Benveniste e de Maingueneau (para quem o sujeito da enunciação não é uma entidade abstracta e externa ao acto de fala, mas um actante que se inscreve no enunciado), sem prejuízo de refutar as teses quando as necessidades da investigação o exigem. Aliás, um facto interessante e de grande poder explicativo é partir do princípio de que o fenómeno linguístico não é, em caso algum, neutro, pois que, na esteira de Ducrot, mesmo um enunciado tão simples, em aparência, como o que se segue:
A: – A Maria é bonita
B: – Vai casar na próxima semana
” (op. cit.: 74)
encerra um determinado grau de argumentatividade, na medida em que, para a autora do trabalho, “a relação entre enunciados é do domínio da argumentatividade e não da informatividade” (op. cit.: 74).
Por outro lado, este segundo capítulo, redigido num estilo sóbrio e fluente (assim como toda a obra...), apresenta-se como extremamente esclarecedor quanto às perspectivas teóricas adoptadas. Com efeito, termos operacionais como modalidade e modalização são definidos com concisão e rigor científicos, ao afirmar, por exemplo, que “[M]odalidade é uma categoria semântico-pragmática [que] é distinta da categoria de modo” (op. cit: 80), ao passo que a modalização, no seguimento do que havia dito Maria Helena Carreira (1997 : 236) é descrita como um hiperónimo (“a modalidade [constitui] uma subclasse da modalização” (op. cit : 80). Mais acrescenta que “modalização e modalidade têm como ponto de origem […] os desenvolvimentos teóricos de Charles Bally, que retoma os termos modistas de dictum e modus.” (op. cit.: 81/82).
Ainda neste capítulo, e após se debruçar sobre a(s) Teoria(s) da Polifonia, ou, para ser mais exacto, depois de descrever, entre outras, as origens do quadro teórico que Ducrot viria a explorar, a autora desenvolve e clarifica várias noções de suma importância para a compreensão da questão, nomeadamente, as vozes da enunciação (o sujeito falante / autor empírico), as personagens da enunciação (Locutor / Enunciador e Alocutário / Destinatário), integrando, desse modo, as teses de Ducrot no conceito abrangente de configuracionalidade discursiva, contrariamente, de resto, ao linguista francês, que não havia, pelo menos de forma suficiente e explícita, dirigido a sua investigação nessa perspectiva. “Ora – refere a autora do presente estudo – os trabalhos do discurso têm realçado para lá da sequencialidade linear, a dimensão configuracional do Texto / Discurso, construída a partir da confluência de eixos semântico-pragmáticos estruturantes que se inter-relacionam.“ (op. cit.: 114)
Por fim, e ainda no quadro da metodologia adoptado, importa referir que a linguista se reclama das teses de Kerbat-Orecchioni (1990: 100), designadamente, a que se refere ao quadro comunicativo, que se resume, grosso modo, a três componentes centrais e basilares, a saber: a) o quadro espácio-temporal; b) o objectivo da conversação e c) os participantes (evitando, mutatis mutandis, toda a ambiguidade que termos como contexto ou situação acarretariam...) e das propostas de Goffman (1981: 137 e ss), em particular, a teorização do sistema de papéis comunicativos explorada no seu livro Forms and Talks).

No que toca ao capítulo três (Debate da Interpelação ao Governo – Descrição do Corpus de Análise), e integrando o seu conteúdo nas bases metodológicas do capítulo anterior, a autora explana o corpus em análise, no caso em apreço, (a) a sua constituição, (b) a sua natureza, (c) a sua estrutura formal e (d) os seus objectivos. Assim, a Interpelação ao Governo, enquanto matéria discursiva, caracteriza-se, fundamentalmente, por revelar, na sua génese e no seu desenvolvimento enunciativo, uma situação de conflito (grau de polemicidade), regida por regras protocolares bastante rígidas e fortemente ritualizadas (cf. os documentos regimentais), cujas finalidades visam menos convencer ou persuadir o adversário do que produzir um determinado efeito perlocutório sobre o destinatário (o Povo) – não imediato e a quente, note-se; mas, antes, adiado até ao próximo ciclo eleitoral…
De resto, a linguista confere a este tipo de (sub)género do discurso algo “híbrido” (op. cit.: 140) diferentes graus de espontaneidade, os quais se situam entre dois pólos diametralmente opostos: por um lado, os discursos de fundo, previamente preparados e redigidos, e, por outro, os discursos considerados de retoma e de questionação. Daí a designação de “discurso ecóico” (op. cit. : 144), válido para o “discurso «inteiramente» espontâneo, de reacção imediata ao discurso do Outro” (op. cit.: 141).





© Manuel Fontão

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