2009/06/09

A MULHER QUE RIA

a mulher castiça da ria
num impulso de incúria
grave séria um pouco em delírio
queria zarpar o homem que sorria
do seu moliceiro antigo algo cansado

a mulher alta trigueira
olhar fugitivo mordaz
gesto afoito movimento veloz
brandiu em fúria por três vezes o cajado em punho
quebrando o riso a alegria e o gozo do homem
pela metade da sua disposição

o homem do riso franco chão aberto
esboçou um sorriso amargo soltou uma lamúria
e ficou ali especado atónito a tomar pulso
à natureza das amarras às margens do leito ao curso de água
que roçava o casco inocente da sua embarcação

o homem do mesmo sorriso pródigo
recolheu as redes abandonou ali a pescaria
e ousou pela terceira vez contemplar de viés a mulher da ria
que ria de júbilo de enleio de satisfação
cajado no regaço em sinal de vitória a alma nas mãos

a mulher da ria queria a palma
a glória o melhor da romaria
a outra metade do riso do homem a carta rogatória
o moliceiro e o resultado do seu labor
a mulher da ria que sorria sem qualquer pudor nem embaraço

queria o todo mais o pescador em guisa de moratória

© Manuel Fontão

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