Pressupostos teóricos
1. Introdução
Parece
óbvio que a maioria dos países se depara, hoje, com uma população
escolar heterogénea, quer do ponto de vista estritamente linguístico, quer, sobretudo, no que toca à componente cultural. E, para esta
situação, concorrem fatores tão aleatórios e emergentes como a globalização da economia, a crescente mobilidade dos cidadãos e os fluxos migratórios
decorrentes de fenómenos mais ou menos endógenos.
Ora, Portugal, país tradicionalmente de emigração, tem vindo a fomentar,
desde há algumas décadas, um sem-número de programas de desenvolvimento
e de divulgação da língua e da cultura em contextos linguísticos de
acolhimento (PLE), pelo que a presente exposição é mais um contributo
dentro desta linha de atuação.
Com efeito, tais programas partem, invariavelmente, do pressuposto de
que a escola e os professores se confrontam, hoje mais do nunca, com a
responsabilidade de promover a diversidade linguística e cultural, e, a fortiori,
assentam no princípio, universalmente aceite, segundo o qual melhorar as
múltiplas competências da cidadania implica, de uma forma ou de outra, reconhecer o direito à
identidade linguística e cultural do conjunto dos utilizadores de uma determinada
língua.
Aliás, a reflexão teórica da especialidade (Cf.
QECR) - assim como a experiência decorrente das práticas
pedagógico/didáticas - tem revelado que as necessidades dos utentes se
situam a vários níveis, a saber:
.
linguístico – resultantes do desconhecimento total ou parcial da Língua
Portuguesa e dos códigos culturais a ela associada, com consequências
para a normal progressão do processo de ensino/aprendizagem PLE;
.
curricular – resultantes das diferenças de currículo entre o país de
acolhimento e o país de origem (ou alvo), podendo constituir um sério
entrave ao avanço de novas aprendizagens;
.
de integração – resultantes das diferenças sociais e culturais entre o
país de acolhimento e o país de origem (ou alvo), acrescendo, por vezes,
condições sociofamiliares desniveladas.
2. A especificidade do ensino do Português Língua Estrangeira (PLE)
2.1. Natureza
O
ensino ministrado a alunos que têm o Português como Língua Estrangeira
(PLE) exige uma abordagem diferenciada relativamente ao trabalho
realizado com alunos que têm outra língua como Língua Materna (LM).
Assim, enquanto os objetivos do ensino de falantes de Português Língua
Materna (PLM), por exemplo, se centram, desde os anos iniciais, na
reflexão metalinguística e metadiscursiva, já as competências e/ou
objetivos do ensino de Língua Estrangeira se devem centrar,
fundamentalmente, (i) na compreensão, (ii) na interpretação e (iii) na produção de unidades comunicativas devidamente estruturadas e segmentadas.
Com
efeito, a especificidade do trabalho com alunos que têm o Português
como Língua Estrangeira prende-se, paralelamente, com o facto de este
grupo de escolarização se definir pela sua heterogeneidade,
designadamente, no que toca à sua:
(a) faixa etária
– ao contrário do que acontece com a LM, o desenvolvimento cognitivo em
PLE não se faz, em geral, a par do linguístico. Destarte, a seleção das
estratégias e das atividades letivas deve ter em consideração, não só a
adequação à proficiência linguística do aluno, mas também à sua idade.
Dito de outro modo, o professor deve assegurar-se de que as atividades
propostas estão de acordo com o nível etário e linguístico do aluno
e,correlativamente, com a sua fonte de interesses, a sua motivação
intrínseca, as suas preferências e a sua sensibilidade.
(b) competência linguística – a população que tem o Português como LE abrange alunos que:
i) são falantes de diferentes LM, umas mais próximas,
outras mais afastadas do Português, propiciando, cada uma delas,
diferentes graus de transferência de conhecimentos linguísticos e de
experiências comunicativas;
ii) se encontram em diferentes estádios de aquisição;
iii) usam o Português em maior ou menor número de contextos;
iv) dispõem de diferentes capacidades individuais para discriminar, segmentar e produzir sequências linguísticas.
(c) cultural
– com diferentes hábitos de aprendizagem, esta população apresenta
diferentes representações e expectativas face ao processo de
ensino/aprendizagem.
Parece, deste modo, evidente que a combinação de todos estes fatores
conduz a ritmos de progressão distintos, razão pela qual se aconselha
que as aulas de PLE devam ter como prioridade:
A) no nível de Iniciação:
. desenvolver a compreensão oral;
. garantir a aprendizagem do léxico fundamental e da gramática elementar;
. aprofundar, progressivamente, a sintaxe e as estruturas textuais indispensáveis à progressão do E/A.
B) no nível Intermédio:
.
desenvolver as diferentes competências de modo a assegurar uma
progressiva confluência relativamente às competências e/ou objetivos de
ordem superior (cf. domínio metalinguístico e metadiscursivo).
C) no nível Avançado:
. possibilitar o desenvolvimento linguístico e o conhecimento da literatura portuguesa.
2.2. Reflexos na prática pedagógica
Uma
língua estrangeira encerra, do ponto de vista do seu estatuto e da sua
aprendizagem, inúmeros pontos de contacto com a língua segunda e com a
língua materna. De resto, do ponto de vista sociocultural, a LE tem mais
pontos de contacto com a LM, e, do ponto de vista psicolinguístico, com
a Língua Segunda. Na realidade, por um lado, é exigido, ao aprendente,
um desempenho na Língua Estrangeira semelhante ao dos falantes nativos,
de modo a poder aceder ao património escrito legado por diferentes
épocas, e, por outro, tal como acontece com os aprendentes de Língua Não
Materna, os seus falantes têm de construir o conhecimento da LE sobre a
gramática da sua LM. Assim, o ensino de uma LE, destinado a alunos em
contextos bilingues, exige uma abordagem diferenciada, tanto no que toca
ao ensino da LM como ao da Língua Não Materna, na medida em que os
objetivos do ensino de LM, como ficou atrás referido, se centram na
reflexão metalinguística e metadiscursiva sobre produções literárias e
não literárias, enquanto os de língua estrangeira privilegiam a
compreensão e a produção de unidades comunicativas.
. uma língua de comunicação, ou seja, de receção e de produção de mensagens orais e escritas;
. uma língua de cultura, isto é, um veículo de conhecimento da sociedade de origem (emigrante) ou alvo;
. uma ferramenta de trabalho, quer dizer, uma língua veicular em determinados contextos socioprofissionais;
. um instrumento de integração no seio de uma sociedade plurilingue e pluricultural.
Face
ao exposto, parece evidente que as práticas pedagógicas da disciplina
de PLE devem, antes de mais, conduzir à aquisição das competências
comunicativa e cultural, e, simultaneamente, devem observar uma
competência específica capaz de proporcionar ao formando um contexto
favorável ao seu desempenho profissional. Ora, se é legítimo apoiar
algumas dessas práticas em técnicas preconizadas pelas Didáticas de
Língua Materna (DLM) e Não Materna (DLNM), também é importante não
esquecer que devem ser usadas outras estratégias de aprendizagem que
favoreçam, por exemplo, a introdução progressiva de noções que tenham
impacto no processo de formação do aprendente.
Por conseguinte, a metodologia utilizada deve preocupar-se em
estabelecer o desenvolvimento de sequências didáticas e de cenários
pedagógicos que visem, ao longo de um determinado segmento do
ensino/aprendizagem, o trabalho integrado das competências gerais, a
saber, ouvir, falar, interagir, ler e escrever.
[continua...]
@ Manuel Fontão
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