2013/06/10

Portugal [texto de Jorge Sousa Braga; voz de Mário Viegas]

[...] 

Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir
como se eu tivesse oitocentos 
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis
ao norte de África 
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse 
Às vezes, quase chego a acreditar que é tudo mentira 
que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente 

Portugal 
Tu não imaginas o tesão que sinto 
quando ouço o hino nacional (que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar ao póker com o velho do Restelo 
Ele anda na consulta externa do Júlio de Matos 
Deram-lhe uns eletrochoques e está a recuperar 
À parte o facto de agora me tentar convencer de que nos espera
um futuro de rosas 

Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos
a ver se contraía a febre do Império 
mas a única coisa que consegui foi apanhar um resfriado 
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr uma pérola que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador 

Portugal
Eu se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir


Portugal
Vou contar-te uma coisa que eu nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti 
Pergunto a mim próprio
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentúgal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade

Portugal
Estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete
Salazar estava no poder
nada de ressentimentos
o meu irmão esteve na guerra
nada de ressentimentos 
tenho amigos que emigraram
nada de ressentimentos
um dia bebi vinagre 
nada de ressentimentos

Portugal
Depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado
na piscina municipal de Braga
ia agora propor-te um projeto eminentemente nacional
Que fôssemos todos a Ceuta 

à procura do olho que Camões lá deixou

Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos? 
São castanhos como os da minha mãe 

Portugal 
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca
[fonte não verificada]

 
© Manuel Fontão

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