2011/08/27

S. Jorge

o oceano largo revoltoso
cinge-te a cintura marinha
estreita longitudinal esguia
e tu tu ranges tu gemes tu danças sem parar

a vaga ali suave aqui severa
roça sulca atiça excita
cada recanto cada meandro
do teu corpo cansado flancos exangues

e tu tu ficas algures
por exemplo a meia distância
de uma velha e gasta canada sem bagacina
as mãos na ilharga
o rosto húmido os olhos vagos
contemplando quase pasmada o imenso desafio

e no interstício de toda esta melopeia
no meio de tudo isto que vês que dominas que abraças
só tu sabes espaço feito ilha
só tu sentes que cada dia que ora passa
que cada hora que ora avança
é um copioso porvir em forma de fuga
em direção ao acaso rumo ao sonho a caminho do nada
que lá ao longe permanece preso numa lancha
quase em moratória quase no pico da esperança

só tu corpo alma ilha só tu sabes
decifrar o enigma mitigar os ais
que ficam à solta deste lado do porto
aqui mesmo junto ao pardacento cais
para lá do código de acesso mantido em segredo
refém do pavoroso e compulsivo degredo

à espera talvez da outra metade da história
que na hora do regresso ao lar primeiro
falta abraçar a saber
o velho faroleiro o grupo central
o triângulo de bruma a imensidão insular

in Poemas de Enleio
© Manuel Fontão

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