2010/08/23

A MÚSICA_ELEMENTOS DE POSSIBILIDADE_1. INTRODUÇÃO

A relação entre a vida e a morte é a mesma que existe entre o silêncio e a música – o silêncio precede a música e sucede-lhe.
Daniel Berenboïm

Em primeiro lugar, importa ter presente que a evolução da música é, não apenas função da própria consciência individual, mas também do estádio de desenvolvimento de uma determinada sociedade, cuja curva evolutiva se prende, no essencial, com a descoberta do nosso ser. Quer isto dizer que há uma necessidade crescente, por parte do Homem, de manifestar, pelo viés do som, aquilo que se encontra, nele, oculto desde o início dos tempos e que os nossos sentidos, demasiado absortos pelos atropelos do quotidiano, não conseguem atingir, senão por meio de uma exegese.
Com efeito, esta constante transformação, este constante desejo de tocar o inatingível – ou deveria falar, aqui, de proibido? – parece projectar-nos para a frente, para um porvir prenhe de sonho, de diferença e de glória, mas não nos iludamos neste capítulo, pois que o processo tem que ver, antes, com o mito do regresso às origens (o origo), tem que ver com a questão, central para o mundo hodierno, da originalidade e da autenticidade. Duplo movimento do som e do homem. Até porque a multidimensionalidade da nossa época não corresponde mais à linearidade do tempo.

Nesta perspectiva, importa perceber a música simultaneamente como experiência sensorial (lato sensu) e como descoberta consciente, pois que ela nos oferece, em última análise, a possibilidade de ultrapassar o cognoscível, quer dizer, de exceder e de extenuar os dados imediatos, e, por esse viés, de penetrar no mundo mediato e reflexivo, sem, todavia, obrigar o homem a abandonar definitivamente o campo das sensações. Deste modo, o elemento musical obriga-nos a descobrir a qualidade do seu objecto (critério da objectividade) e, correlativamente, convida-nos a descobrir o sujeito como criador, como comunicador, como co-destinatário e como pensador, i. e., obriga-nos a descobrir a qualidade do sujeito (critério da subjectividade) na sua fusão com o próprio objecto. Porque, como já dizia Bachelard, descobrir é a única forma activa que conduz ao conhecimento. A que eu acrescentaria que o processo conduz, também – e sobretudo –, ao autoconhecimento.


© Manuel Fontão

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