2010/08/23

A MODA_O PARADIGMA ESCONDIDO_1. INTRODUÇÃO

Il y a autant de faiblesses à fuir la mode qu'à l'affecter.
La Bruyère, Les Caractères, XIII

A moda, lato sensu, pode ser encontrada nos mais diversos universos referenciais, desde as criações artísticas (cf. a pintura, a música, a dança, a decoração de interiores, etc.), até ao próprio estilo de vida (cf. o lazer, o desporto, as viagens, etc.), sem esquecer, claro, o domínio da intelectualidade (cf. as correntes de pensamento, a filosofia, as crenças, as filiações doutrinárias, as linguagens específicas...). Assim perspectivada, a moda atravessa diagonalmente a napa social, o que significa que ninguém consegue ficar insensível ao ar do (seu) tempo, a começar pela intelligentsia, passando pelos próprios criadores e acabando, em definitivo, no consumidor anónimo.
De resto, em termos técnicos, poder-se-á subdividir o objecto em estudo em duas grandes dimensões, a saber, (a) uma tendência esotérica (elitista), reservada a um pequeno grupo mais ou menos vanguardista e apenas penetrável pelo neófito e (b) uma tendência exotérica, abrangente e comum, facilmente interpretável pela massa dos consumidores.

Assim, qualquer que seja a hermenêutica seleccionada, parece que a moda se prende, de uma ou de outra forma, com a necessidade que o ser humano sente, ao longo da sua existência, de se distinguir da turba, de se diferenciar estilisticamente da multidão anónima, em suma de (se) mudar. Mutatis mutandis. Com efeito, à medida que a moda (m0) se vai generalizando e banalizando, uma nova moda (m1) está em processo de (pro)criação, ou, dito por outras palavras, a reestruturação de um novo estádio implica a desestruturação do estádio imediatamente anterior.
Não se perca, todavia, de vista que o fenómeno nem sempre revela ser sinónimo de integração social ou de sentido de pertença a um determinado grupo, conforme se crê, aliás, com alguma ligeireza. Certo. A moda assinala, à superfície do todo comportamental, o sentimento de partilha relativamente a uma filosofia de pensamento ou a uma estética mais ou menos efémera, mas pode muito bem – e é o que acontece, de resto, a maior parte das vezes – significar uma oposição ideológica e/ou socioafectiva face aos estereótipos vigentes ou mesmo uma violenta rejeição para com o status quo do momento. Mas não só. A moda pode, ainda e finalmente, encerrar uma certa dose de conformismo, uma certa pusilanimidade caracterológico do sujeito: ao submeter-se aos padrões do maior número, ao interiorizar os códigos sociais do seu contexto situacional imediato, o indivíduo regula, de forma aparentemente pacífica, os dilemas do autoconhecimento e, em consequência, oculta, sob o manto da uniformidade, as discrepâncias efectivas (e afectivas…) da sua verdadeira personalidade.

Claro que não entendo, aqui, fazer a análise psicanalítica do fenómeno, mas apenas mostrar que seguir uma determinada moda, ou melhor, escolher um certo padrão, constitui, em última análise, um complexo processo de identificação que coloca sob caução a natureza humana, com o seu cortejo de sonhos, de medos e de incertezas. Porque, como já dizia Koening, em 1963, inconscientemente, todos nós somos manipulados pela moda, dado que ela é efectivamente omnipresente.
© Manuel Fontão

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