2010/08/24

CINEMA_O (E)TERNO RETORNO ÀS ORIGENS_1. INTRODUÇÃO

Ninguém duvidará, por certo, que as primeiras representações da vida dos homens, quer dizer, as suas visões místicas, os seus medos e os seus anseios se inscreveram, há três mil anos atrás, sobre o papiro ou sobre os muros. E ninguém ousará certamente duvidar de que esta capacidade de realização e de montagem pode muito bem ser considerada como as primeiras storyboard conhecidas, pois que evocam, à sua guisa, as aventuras de um qualquer rei, a viagem depois da morte ou muito simplesmente os actos da vida quotidiana – tão fúteis quanto os nossos.

Todavia, seria necessário esperar muitos séculos para que a tecnologia tornasse, enfim, possível o épanouissement do homem, quer dizer, o seu secreto desejo de dominar o tempo e de materializar em imagens a sua vida interior – tão rica e variegada quanto a dos seus antepassados.

Em Portugal, e após uma certa estagnação (política do espírito obligeait), assiste-se a um crescendo de produção, pese embora os condicionalismos estruturantes do país e do resto da Europa. Com efeito, a arte cinematográfica europeia – e não apenas a portuguesa – encerra um complexo de questões que se prende, antes de mais, com os mecanismos de produção, com os processos de identificação temática e com suas finalidades stricto sensu. Na realidade, o cinema de matriz europeia está centrado no homem pátrio, na memória colectiva (nacionalista) e no homem comprometido com o seu cortejo de crenças e de tradições. Em suma, a concepção cinematográfica europeia encontra-se exageradamente balcanizada. Aliás, neste capítulo, o caso português é, de per si paradigmático: o denominador comum constitui, sem dúvida, o ser português, o homem vernáculo, e, nesta matéria, urge indagar se uma tal produção – portuguesa, francesa ou russa – não oculta, antes, uma certa incapacidade genética de representar os universais do homem.

Felizmente que, nesta última década, se assiste a uma proliferação temática e a toda uma panóplia de estilos, o que constitui, a meu ver, uma verdadeira emancipação da arte cinematográfica. Que o futuro, por certo, confirmará...
© Manuel Fontão

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