2010/06/28

HOW GREEN WAS MY VALLEY

Melilla é cidade espanhola do Norte de África, rodeada por Marrocos e banhada pelo Mediterrâneo. A cidade é comummente reconhecida pelo seu multiculturalismo, pela diversidade religiosa, e, desde há alguns anos a esta parte, tornou-se famosa pelo seu muro – infame e chocante.

Com efeito, o referido muro possui uma extensão de 12km, aproximadamente, e é constituído por uma dupla barreira: do lado espanhol, uma rede metálica, e, do outro (marroquino), um muro de cerca de 3 a 6 metros de altura, limitado por um fosso de 3 metros de profundidade e, como se isso não bastasse, foi reforçado por um sistema de videovigilância. Paso sob silêncio os inúmeros barcos de polícia costeira, as barragens e os postos de controlo… com um alcance de 200km! E não é tudo: já se pondera um terceiro reforço à barreira... Não vá o diabo tecê-las!

Mas urge, neste ponto, perguntar de que se defenderá, de forma tão desproporcional e desesperada, uma Europa que surge, a olhos vistos, minada pelo lado de dentro dos seus limites físicos. Urge indagar as razões desta materialização, que mais não é, no fundo, do que o ideal de uma Europa-fortaleza, a exemplo das fortificações medievais…

Agitemos um pouco as águas turvas da memória: em Setembro de 2005, a Europa e o mundo acordaram com a imagem chocante do assalto ao referido muro, perpetrado por centenas de imigrantes, na sua maioria subsarianos. Viram-se corpos presos no arame farpado que o reveste: nada que não pudesse ser visto! Viram-se jovens com os membros partidos: nada que não pudesse ser exibido! O sangue jorrou pelos ecrãs televisivos. nada que não pudesse ser mostrado! Os pedidos de socorro ficaram gravados nos tímpanos do telespectador: nada que não pudesse ser ouvido! Na verdade, os sentidos estranhariam, isso sim, a ausência de estímulos mais ou menos estridentes ou linfáticos...

Ora, perante este grito lancinante, perante este apelo vindo das entranhas do ser humano, que fez a Europa? Pois bem: respondeu olimpicamente, enviando… o exército espanhol e um ultimato a Marrocos! Bolas! Que reforçasse a defesa do muro. Que cuidasse das suas fronteiras. Que organizasse melhor o controlo nos campos de refugiados. Que aceitasse o repatriamento dos imigrantes. Que agisse! que assim não valia: irra!
E, pressionado, claro, Marrocos agiu em conformidade e, aqui e ali, como um bom e exemplar aluno face à superior vontade do seu mestre, decidiu apostar na carga policial (a ONG Médicos Sem Fronteira refere que cerca de ¼ dos casos a que dá assistência têm a sua origem, justamente, em violência policial…). Mas o excesso de zelo, de resto tão característico das nações civilizadas, não se ficou por aqui: Marrocos começou a reencaminhar os imigrantes para a fronteira com a Argélia… de onde seguiriam para os seus países de origem.

Todavia, os acometimentos continuam e a Europa procura, através destes muros da vergonha, proteger-se do assalto de populações do Sul, à procura de uma vida melhor, muitas vezes mesmo, à procura, tão-somente, da própria sobrevivência. Mas não haja ilusões, nesta matéria: o Norte jamais abdicará do seu bem-estar e do eu conforto material, razão pela qual continuará a manter todo um leque de políticas de clara exploração desses povos e, simultaneamente, de blindagem das suas portas férreas...

Parece, pois, que estas aberrações (os muros da vergonha...) vieram para ficar, perpetuando, de resto, uma lógica assenta numa completa assimetria entre o Norte e o Sul. No fundo, em casa de cada um mandará cada qual. Só não percebo – mea culpa – por que razão é esta mesma Europa que se erige, a cada passo, em paladino dos Direitos Humanos. E, mais do que isso, por que é que esta mesma Europa não enjeita uma oportunidade para se mostrar humanista e generosa. Mas... à mulher de César basta parecer ser séria? E bastará sê-lo? Eterna dialéctica entre o ser e o parecer. Que, neste caso, não coincidem. Estranhamente. Ou talvez não...





© Manuel Fontão

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