2009/12/30

O MISTÉRIO DA ESTRADA DE SINTRA

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO



O Mistério da Estrada de Sintra é uma história que, sob a capa de um romance policial, esconde uma poderosa crítica de costumes e uma análise acutilante da sociedade dos finais do século XIX. Escrito em circunstâncias especiais, e com a colaboração de Ramalho Ortigão, revela uma visão idealista dos seus autores, em início de carreira, assim como cumplicidade do director do Diário de Notícias, em cujo documento os autores pretendiam corrigir a sociedade e agitar uma estética literária portuguesa completamente anestesiada pelo elevado consumo de ficção melodramática e rocambolesca.

A ADAPTAÇÃO

A tarefa não se adivinhava de fácil execução. Com efeito, como adaptar a história para o cinema a história, sem a reduzir a um fait-divers detectivesco em que se procura simplesmente descobrir quem cometeu o crime? Ora, esta foi a questão central do trabalho cinematográfico e, na realidade, durante quase dois anos de intenso labor, os argumentistas Nuno Vaz e Mário Botequilha dedicaram-se a elaborar um argumento que pudesse ser transponível para o ecrã, ao mesmo tempo que decorria o processo de financiamento do filme, em que o pitching levava sempre o guião para os seus autores (Eça e Ramalho). Importava seguir com algum rigor as circunstâncias fascinantes em que a obra tinha sido escrita e, nessa óptica, afigurava-se incontornável não trazer Eça e Ramalho para o filme... O enriquecimento da pesquisa histórica e literária do argumentista Tiago Borralho e da sagacidade e virtuosismo da escritora Luisa Costa Gomes deram o espírito queirosiano aos diálogos do filme, já que a forma se pretendeu contemporânea. Assim, construir os diálogos, imaginar as situações e dotar de vida os dois grandes vultos da sociedade portuguesa do século XIX foi provavelmente a tarefa mais difícil na consecução de um argumento que acabaria por se inspirar, vezes amiúde, em obras como As Farpas, sem esquecee as memórias dos escritores, as cartas avulsas e as citações de escritores contemporâneos de Eça e de Ramalho. Claro que o argumento acabaria por enformar duas linhas de acção: a história em forma de folhetim que saiu no Diário de Notícias denominada O Mistério da Estrada de Sintra, e em simultâneo, a grande amizade entre Eça e Ramalho que florescera durante o processo de escrita (do mesmo folhetim) no Verão de 1870. Mas é bem possível que o filme tenha ganho com isso. A começar pela ilusão da contemporaneidade que provoca no espectador...

© Manuel Fontão

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