2009/12/29

TERRAS DE VIRIATO

O carácter genuíno das coisas tende a desaparecer. Inexoravelmente. Há inúmeras razões para explicar o fenómeno. Umas mais congruentes do que outras. E uma das explicações plausíveis prende-se, a meu ver, com a natureza imediata das civilizações da contemporaneidade, que oculta, ou melhor, que impede que observemos o valor simples das coisas.
Todavia, e apesar da inevitabilidade do tempo recente e das nossas idiossincrasias, a genuinidade continua a encantar quem o percebe, quem tem a capacidade de o apreender. Que traços distintivos, pois, lhe consignar? Ora, é algo de raro e de original, é algo que tem um cunho reconhecidamente específico e que, em última análise, possui identidade própria. Que é perene.
Assim é. Por terras de Viriato ele ainda há coisas genuínas, coisas que foram e continuam a ser validadas pela natureza. E pelo homem.
Com efeito, quer se trate de fazer vincar os limites do horizonte, quer se trate de fazer multiplicar os declives do terreno, a natureza encarrega-se, como que por capricho, de estabelecer os contornos, de criar barreiras que mais não são do que outras tantas oportunidades de construir pontes entre os homens. Porque pelas extensas Terras de Viriato há os homens do lado de lá. Há os que ficam do lado de cá. Há os que ficam nos sopés. Há os que ficam ao lado da montanha. Há os que ficam entre duas montanhas. E há aqueles que dividem uma única montanha. Em qualquer dos casos, compete ao homem cunhar a montanha com as especificidades próprias do seu temperamento, com os seus próprios costumes, com o seu feitio peculiar. No fundo, são fronteiras naturais que duplicam as do quotidiano e que prolongam o carácter ancestral das suas vivências.
As Terras de Viriato constituem, assim, uma relíquia, uma colecção de lugares em que o tempo, esse malho da Hmanidade, perde toda a sua efervescência urbana, em que ele, o tempo, surge petrificado em cada rochedo, em cada declive, em cada casa de granito. Não. O tempo, aqui, não é cubicular, não é fragmentário, não é sucedâneo da violência simbólica. Não. O tempo, aqui, surge, antes, diante do olhar do forasteiro, por inteiro. E de forma quase cruel...
© Manuel Fontão

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