2009/12/21

A ILUSÃO DO DRAMÁTICO_INTRODUÇÃO_01

Une pièce de théâtre doit être le lieu où le monde visible et le monde invisible se touchent et se heurtent.

Adamov

Em termos gerais, poder-se-á dizer que o teatro consiste na faculdade de o homem representar um objecto capaz de exprimir ideias, sentimentos ou emoções estéticas e, nesta óptica, toda a obra de teatro é passível de ser traduzida pela sua capacidade de fruição estética.
Na verdade, o autor (auctoritas) é um intérprete que se assume como artífice da sua cosmovisão, i.e, como um mediador (um demiurgo) entre (a) o seu cortejo de crenças, de sentimento e de emoções (estética da produção) e (b) o horizonte de expectativas do destinatário/espectador (estética da recepção).
Clara manifestação da polissemia do signo e dos códigos semióticos. Mas não só. É que o texto dramático, através das suas formas concretas e objectivas, implicam uma certa intencionalidade artística (que mais não é, no fundo, do que a teleologia das nossas acções) e, nessa óptica, denunciam uma certa teoria do contexto, pois que se inscrevem no devir histórico, social e cultural fenomenologicamente pertinente.
Com efeito, independentemente do seu conteúdo, da sua forma e da sua orientação argumentativa, ao teatro esgota-se na sua realização concreta e irrepetível, i.e, confina-se aos limites da sua performance, para lá dos quais não será possível delimitar-lhe os contornos: mutatis mutandis, ela adquiriu vida própria (arquimimetismo), passou a valer por si mesma (sistematicidade), e, por conseguinte, será interpretada de acordo com a sensibilidade e a variância individual do conjunto dos espectadores enquanto público.
Todavia, não se infira daqui que o valor intrínseco da dramaturgia se esgota na sua contingência. Longe disso. Com efeito, toda a obra de arte, e, a fortiori, todo o teatro se inscreve(m) num eixo axiológico que se caracteriza (i) pela universalidade (tende a neutralizar os traços positivos das suas condições de produção particulares), (ii) pela intemporalidade (propõe-se vencer as vicissitudes do hic et nunc) e (iii) pelo seu valor ontológico, no sentido heideggeriano do termo (pois que pretende esbater as barreiras filogenéticas do momento).
© Manuel Fontão

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