2009/11/29

UM FEIXE DE LUZ NA CENA VENEZUELANA_04_O CONTEXTO

A cultura constitui para a sociedade um centro epigenético dotado de relativa autonomia, como o próprio cérebro de que ela não se pode dissociar, e contém em si mesma a informação
Organizacional que vai ser cada vez mais rica

Morin

A dança contemporânea caraquenha só pode ser compreendida à luz de dois factores essenciais, a saber (a) a força telúrica que emana do Monte Ávila (e que esconde a cidade da costa marítima) e (b) o peso, por vezes asfixiante, da cidade. Na realidade, estes dois elementos são, de uma forma ou de outra, transversais ao espaço cénico dos mais importantes coreógrafos da actualidade. De resto, o apelo ao imaginário sul-americano (as culturas indígenas, o multiculturalismo, o totemismo…) e à evasão devem ser inscritos, em negativo, na mesma temática, neste sentido que o homem tem de escapar – ainda que pelo sonho – ao seu contexto imediato, que, no caso em apreço, partilha da violência característica de algumas cidades da América Latina.
Com efeito, os projectos vanguardistas no contexto da dança contemporânea venezuelana (limito-me, neste breve excurso, à Gran Caracas…), como por exemplo, DANZAHOY, DRAMO, MOVIMIENTO EN LA RED, TALLER DE DANZA ou AGENT LIBRE (para citar apenas cinco escolas de dança contemporânea) surgem imbuídos de um certo desejo de escapar aos muros, ao hermetismo urbano (superveniente do sentimento de insegurança), ao esgotamento físico decorrente do ritmo citadino (halucinante), e, em última análise, muito próxima da tríada parisiense (metro-boulot-dodo). Nada que espante, pois, que o homem, aprisionado pelo contexto, sinta uma vontade irresistível de escapar à sua condição. Ora, parece que toda esta violência física (e não apenas simbólica…) é objecto de uma catarse pela arte – que é por aqui que o homem se distingue do animal.
Face aos pressupostos acima enunciados, proponho, nesta curta apresentação, expor a vida e obra de Luz Urdaneta, co-fundadora (conjuntamente com a sua irmã Adriana) da companhia e actual directora artística exclusiva, por me parecer que é a autora que mais se distancia deste leimotiv. Na verdade, Luz Urdaneta coloca nas suas obras um misto de sensualidade (entendida como possibilidade de conhecimento e como forma de apreensão do real…) e de suavidade (prática eufemística de encarar o todo artístico…), ainda que a sua temática, no geral, remeta o espectador para a mesma área semântica. Todavia, a forma como recria o espaço cénico – e como o varia – dão-lhe um cunho próprio que mais não é do que a sua assinatura de autor (a sua cosmovisão).
© Manuel Fontão

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