2009/11/30

UM FEIXE DE LUZ NA CENA VENEZUELANA_01_INTRODUÇÃO

O outro é um parceiro perpétuo do eu na vida psíquica.

Wallon


A nossa relação com o corpo é teoricamente infinita, quer do ponto de vista objectivo (i.e. do outro), quer do ponto de vista subjectivo, (i.e. da nossa própria relação com o nosso corpo).
Mas não só. Este diálogo constante (porque, quer se queira, quer não, a dança obedece a uma estrutura dialogal, quiçá pluridialogal…) depende, também do contexto ou, melhor, de factores culturais dentro dos quais estabelecemos uma certa forma de estar e de evoluir no palco da vida. Porque o mundo – a nossa rua, o nosso bairro, a nossa cidade – é, por excelência, um espaço teatral no qual representamos uma certa cena do quotidiano. Que é nossa, quer dizer, que é única e irrepetível. Que é singular. Que é discreta. Tanto mais que a forma como nos movermos no espaço e no tempo decorre, em último recurso, do nosso código genético, da nossa herança cultural e da nossa inteligência social… Ora, neste sentido, importa perceber a relevância da expressão corporal, e, em particular, reconhecer que o corpo está sujeito a normas básicas das suas partes constituintes (as quais, por seu turno, comunicam integralmente com o outro…). Significa isto que, para reconhecer as leis do corpo, teremos de apelar para uma consciência especular, quer, dizer, teremos de incarnar o outro – caso contrário, não lograríamos ver-nos de forma objectiva.
Com efeito, o reconhecimento do nosso corpo constitui necessariamente uma atitude reflexiva, o que implica que os movimentos, os deslocamentos e o mimo obedecem a (pré)conceitos culturais mais ou menos estereotipados, a convenções mais ou menos fossilizadas e, muito provavelmente, a (pré)requisitos biológicos mais ou menos latentes. Assim perspectivado, o nosso corpo é a expressão minimalista da nossa cultura, das nossas crenças e da nossa personalidade (daí que se possa dizer que o nosso corpo é o espelho da alma….), e, tal como refere Pierre Guiraud, a ideia de corpo como reflexo da alma é uma crença muito antiga, que continuamos a partilhar de forma mais ou menos inconsciente (1980: 17).
Visão meramente instrumental do elemento anatómico? Longe disso. A norma, ditada pelos centros de poder (económico, cultural, político…), quer dizer, o protótipo, é algo de convencional e o corpo universal, esse mito dos tempos hodiernos, constitui um género híbrido que se esgota na tirania dos opinion makers.
Contudo, mais importante do que o conceito normativo da sua estrutura fisiológica é, a meu ver, a busca da identidade própria, a realização do fenótipo (na terminologia de Julia Kristeva), que mais não é do que uma espécie de simbiose entre o corporal e o anímico. Mas é por este viés, sem dúvida, que o homem é capaz de superar a sua condição – que é mover-se de certa maneira (a sua).
© Manuel Fontão

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