2009/07/16

A SEMIÓTICA DA IMAGEM

"Sim, eu vendo coisas às pessoas de que elas não precisam. Não posso, no entanto, vender-lhes algo de que elas não queiram. Mesmo com anúncios publicitários. Mesmo se eu estivesse decidido a fazê-lo”.
John O'Toole

É um dado adquirido que as empresas optam, cada vez mais, por transmitir uma postura de responsabilidade social, quer a estratégia passe por campanhas de publicidade dirigidas às massas, quer a mensagem pretenda simplesmente atingir um público mais ou menos especializado, ou, em última análise, uma colecção de públicos específicos.
Ora, perceber este tipo de fenómenos exige, quer se queira, quer não, uma profunda reflexão sobre a matéria e, de modo particular, um profundo conhecimento sobre a forma como vão surgindo as múltiplas manifestações do fenómeno. Dito noutros termos, é de fulcral importância perceber o papel da publicidade no tecido social, tanto mais que vivemos numa sociedade em que a (des)informação e os (sub)produtos culturais são, na maior parte das vezes, objecto de um tratamento exageradamente recorrente e, não raras vezes, o conteúdo carreado obedece a uma lógica interna tributária de uma hermenêutica mais ou menos casuística.
Com efeito, os meios de comunicação contemporâneos assentam o seu modo de reprodução, no essencial, numa panóplia de textos icónicos com características diversas, com finalidades sub-reptícias e com mensagens subliminares, cujo crescimento desenfreado dos media coloca em realce o carácter imediatista e irracional, potenciado, de resto, por um aparente reflexo mais ou menos contemplativo que mais não faz do que duplicar a representação da realidade circundante. É que, quando se fala de texto icónico, é importante ter presente que imagem é sempre e invariavelmente uma representação de um determinado objecto, não obstante a simbiose que aparentemente existe entre o objecto primeiro (o real) e o objecto segundo (a sua representação). Na verdade, podemos apontar para um pictograma à entrada de um centro comercial e afirmar peremptoriamente: “aqui, não são admitidos animais domésticos”, mas o objecto da nossa asserção é nada mais, nada menos do que um ícone (do grego “Eikon” que significa imagem e que, de acordo com a definição semiótica de Charles S. Pierce (1987: 144), “são signos que se relacionam com seu objecto por semelhança”). Assim, o objecto que estou a designar não se prende, como se poderia pensar, com a materialidade do signo (um cão específico, por exemplo, em carne e osso e patas carnudas, se for o caso…), mas instauro com o signo uma relação metafórica (semelhança) com o real. Aliás, tal como referem Contrera e Hattori (2003: p. 26), a imagem é “um termo que comummente utilizamos para designar representações gráficas ou verbais de algo que existe ou poderia existir.”
Aliás, segundo Gilles Deleuze a denominação de "civilisation de l’image" (1985_ 33) consiste, sobretudo, numa "civilisation du cliché" (1985: 33), cuja explicação se pode mensurar pelo desdobramento do referente, pois que, por um lado, invoca o valor eminentemente icónico da realidade representada (que assenta, sobretudo, na redundância do signo), e, por outro lado, a ocultação do símbolo que se pretende, todavia, evocar – daí que se desemboque, vezes amiúde, na distorção ou na manipulação de certas imagens, na medida em que estas, em vez de serem um meio para descortinar a realidade, mais não fazem do que a obliterar ou, em última análise, mais não pretendem do que a ocultar.
Penso, pois, que é neste sentido que se deve entender a afirmação de Deleuze quando insiste na forma de perceber o texto publicitário, como um processo semiótico em que existe um interesse geral em "esconder algo (na imagem)" (1985: 33). Com efeito, essa propriedade do signo mais não é, no fundo, do que o seu próprio carácter de persuasão, isto é, a capacidade que o texto pictórico tem de evocar, de insinuar – em vez de mostrar ou de dizer. Até porque, o melhor da fotografia é o que não se vê
Na realidade, cada texto publicitário, seja ele institucional, educativo, ou qualquer outro, esforça-se, à sua maneira, por persuadir o outro, razão pela qual se pode inferir, com toda a propriedade, que a interpretação da realidade é sempre modificada, em primeira instância, pelo criador – quer pelo viés da técnica utilizada, quer pelo contexto a que recorre, quer, enfim, pelo ponto de vista facultado ao observador.




© Manuel Fontão

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