2011/12/09

Noção de constituinte

Temas de sintaxe - I

A. PARTE TEÓRICA

Plano

1. noção de constituinte;
2. categorias sintáticas;
3. funções sintáticas centrais.


1. noção de constituinte

A uma sequência de elementos sintáticos com as características de (1), dá-se o nome de constituintes:

(1) O amigo do José telefonou à irmã do António.

Na realidade, notar-se-á que se pode alterar a ordem das palavras, mas de acordo com certas regras. Assim, é possível obter, por exemplo, as sequências [(1a) – (1d)]:

(1a) Telefonou à irmã do António, o amigo do José.
(1b) À irmã do António, telefonou o amigo do José.
(1c) O amigo do José telefonou. [supressão de um argumento]
(1d) Telefonou à irmã do António. [supressão de um argumento]

mas, em contrapartida, não será possível engendrar as sequências [(1e) (1h)], pois que há grupos que funcionam como uma unidade ao serviço de uma construção maior, no caso em apreço, da frase (1):

(1e) *do José telefonou à irmã do António o amigo.
(1f) *do António o amigo do José à irmã.
(1g) *O amigo telefonou à irmã do António do José.
(1h) *O amigo do José telefonou do António à irmã.

Com efeito, os testes que se acaba de apresentar [(1a) – (1h)] demonstram que os elementos [O amigo do José], [telefonou] e [à irmã do António] mantêm entre si um determinado grau de coesão, formando, assim, blocos (chunks [1] ) que não podem ser desmembrados.

Tal facto implica, antes de mais, que se deva conceber uma frase, não como uma combinação de palavras, como usualmente se crê, mas, antes, como uma combinação de constituintes.


1.1. testes de constituência

Registe-se que, para determinar se uma dada sequência forma – ou não – um constituinte, basta testar a possibilidade (i) de mover, (ii) de substituir parcialmente ou (iii) de introduzir elementos no seu interior, e, se tal não for possível, então pode afirmar-se que essa sequência forma, de facto, um constituinte. Dito isto, e para melhor se compreender o fenómeno, atente-se no sintagma preposicional presente [Sprep] na frase (2):

(2) O poeta corrigiu estas provas [durante três dias].

e, em seguida, aplique-se o teste de movimento (i), referido supra:

(2a) [Durante três dias],o poeta corrigiu estas provas.
(2b) O poeta corrigiu [durante três dias] estas provas.
(2c) [Durante três dias], corrigiu estas provas, o poeta.
(2d) Estas provas, corrigiu o poeta [durante três dias].
(2e) O poeta corrigiu [durante três dias] estas provas.
(2f) Estas provas, o poeta corrigiu(-as) [durante três dias].
(2g) [Durante três dias], o poeta corrigiu estas provas.
(2h) Corrigiu [durante três dias]estas provas, o poeta.

Assim, e dado que a sequência [o poeta corrigiu estas provas durante três dias] resiste ao teste de movimento (i), i. e., uma vez que, mesmo separada de outras expressões, continua a ser uma frase aceitável, pode concluir-se que não forma um constituinte único (pois que, caso contrário, não admitiria a regra de movimento...). 

Poder-se-á perguntar, em seguida, se as expressões [o poeta], [corrigiu], [estas provas] e [durante três dias] formam, cada uma por si, um constituinte. Para tal, e a exemplo da diligência anterior, aplicar-se-á o teste (i), conforme se ilustra abaixo:

(2i) *O poeta corrigiu estas provas [durante dias três].
(2j) *O poeta corrigiu estas provas [dias durante três].
(2k) * O poeta corrigiu estas provas [três durante dias].


(2l) *[Poeta] corrigiu durante três dias provas [o].
(2m) *[O] corrigiu estas provas durante três dias [poeta].
(2n) [etc.]

Como se observa, em nenhum dos casos é possível obter uma frase gramatical, pelo que se deve legitimamente concluir que os grupos [o poeta], [corrigiu], [estas provas] e [durante três dias] são efetivamente constituintes.

Em conclusão, pois, pode-se afirmar que a frase (2) encerra quatro constituintes sintáticos, a saber:

(2) O poeta corrigiu estas provas durante três dias.

Já o teste de substituição (ii), esse, aplica-se, procedendo à troca de um constituinte por outro da mesma natureza sintática, de modo a que, dessa forma, se possa obter uma frase gramatical. Neste exemplo, poder-se-á substituir [corrigiu] por [falou]:

(2o) O poeta [corrigiu] estas provas durante três dias.
(2p) *O poeta [falou] estas provas durante três dias.

Como se pode observar, apesar de ambas as palavras serem formas verbais, o resultado da substituição de uma pela outra não é aceitável. Na realidade, a única possibilidade é substituir toda a expressão complexa [corrigiu estas provas] pela forma [falou]:

(2q) O poeta [corrigiu estas provas] durante três dias.
(2r) O poeta [falou] durante três dias.

Por conseguinte, [falou] é equivalente a [corrigiu estas provas], o que prova que a sequência [corrigiu estas provas] formam dois constituintes necessários um ao outro [2], pois que [falou] é, indubitavelmente, um constituinte.

Ora, isto implica a conclusão, segundo a qual um constituinte pode, por seu turno, fazer parte de outros constituintes mais vastos, conforme a representação que se segue:


Assim, e alargando a análise à totalidade da frase (2), chegar-se-ia à representação da respetiva estrutura dos constituintes, tal como é fornecida em (4):


Numa representação deste tipo (4), o nível de topo corresponde à frase na sua totalidade (2) e o nível de base consiste numa sequência de palavras, que são os constituintes últimos da frase.


1.2. conclusões

Por conseguinte, e tendo em conta o que ficou, até aqui, descrito, pode obviamente inferir-se que:
  • uma estrutura sintática é formada pela combinação de elementos que se designam por constituintes;
  • as estruturas sintáticas contêm constituintes simples – que não podem ser sintaticamente analisados (por corresponderem a palavras) e constituintes complexos formados pela combinação de outros constituintes (que podem ser analisados);
  • os constituintes ocupam diferentes níveis na estrutura (por exemplo, o constituinte [corrigiu estas provas], que, repita-se, é a combinação de [corrigiu] e de [estas provas] está num nível estrutural superior ao de cada uma das suas partes.
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Para continuar a ler, clicar, s.f.f., na hiperligação http://quiosquedasletras.blogspot.com/2011/12/categorias-sintaticas.html
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    [1] Os chunks, na teoria da linguagem, constituem, no fundo, palavras ou sequências de palavras que os sujeitos falantes nativos percebem como segmentos naturais, e, por conseguinte, como a melhor forma de exprimir o seu pensamento. Assim,por exemplo:

    (i) Mente sã, [ _______ ] são.
    (ii) Ele faz as coisas com cabeça, tronco e [ _________ ].
    (iii) Isto é claro como a [ _______ ].
    (iv) Os portugueses deram novos mundos ao [ ________ ].
    (v) O povo unido, jamais [________ __________].
       
    Poder-se-ia pensar que os chunks (respetivamente, corpo, membros, água, Mundo, será e vencido) são, maioritariamente compostos pelos provérbios, pelos axiomas e pelos clichés. Mas tal não corresponde totalmente à verdade, pois que, por exemplo, o cliché, refém do contexto imediato, encerra um escopo bem mais reduzido do que as unidades lexicais e/ou sequências frásicas memorizadas ao longo da vida. Por conseguinte, poder-se-á afirmar que a linguagem proverbial constitui um caso particular do chunk.
     
    Note-se, de resto, que os chunks são de um grande rendimento na perspetiva cognitivista, na medida em que é graças a certos esquemas conceptuais, memorizados desde muito cedo, que nos é possível armazenar grandes quantidades de informação. Aliás, é graças a este fenómeno que conseguimos memorizar, por exemplo, um sem-número de telefones, de palavras-chave, de cartões de identificação, etc., os quais, acrescente-se, reconhecemos, por exemplo, em grupos de três, mas já nos são completamente estranhos se, por qualquer motivo, nos são apresentados numa ordem diferente. E percebe-se a razão: é que o chunk , ao surgir à superfície numa ordem outra, deixou de funcionar como unidade significante e indestrutível...    
    [2] Com efeito, quem corrige, corrige algo [provas, exames, manuscritos, etc.], o que prova que os complementos são selecionados pelo verbo. 
    © Manuel Fontão

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