2010/11/03

A Educação sexual e as escolas assexuadas

Li, com bastante atenção, alguns projetos de educação sexual que estão a ser implementados em todo as escolas do país. Confesso que, alguns deles, se me afiguram algo despropositados e desfasados da realidade. Já não falo, sequer, das metodologias preconizadas, nem, tampouco, dos temas e das técnicas previstas para a execução de um projeto que entra nas escolas – porque sim.

Tenho para mim que, aqui e ali, alguns projetos não abarcam a dimensão humana da sexualidade e recorrem, lamentavelmente, a toda uma panóplia de estereótipos do nosso tempo (por exemplo, a questão da pedofilia…). Demasiado pobre e simplista, com efeito. Porque a sexualidade não se compagina com uma certa semiótica da imagem (que, em vez de mostrar, oculta perigosamente o objeto da discussão…), mas, bem pelo contrário, consiste, isso sim, num tema que atravessa diagonalmente o ser humano, que faz parte integrante da estruturação profunda da sua individualidade, e, como tal, está latente – e patente! – nas mais variadas expressões da sua personalidade (voz, vestuário, mimo, postura, crenças, etc.). Razão acrescida para que a sexualidade constitua uma disciplina verdadeiramente interdisciplinar – e não um qualquer projeto avulso a endossar, por força de lei, aos docentes, os quais, na minha ótica, não têm, decididamente, capacidade de resposta. Nem têm de a adquirir, na medida em que uma resposta global requer um tratamento transdisciplinar…

Nesta perspetiva, é compreensível que muitos docentes se sintam constrangidos a aplicar um modelo imposto de cima para baixo e que, em muitos casos, colide com a sua própria deontologia profissional. E, note-se, tal resistência constitui, de resto, um bom sintoma da sua (boa) formação, pois que qualquer projeto nesta área que não englobe a participação ativa da família (dimensão socioafetiva), do médico assistente (dimensão científica) e de outros especialistas da área das ciências sociais, estará, desde já, votado ao fracasso. Irremediavelmente.

Uma outra questão que importaria discutir, prende-se com o grau de articulação dos projetos de educação sexual com o próprio Projetivo Educativo de escola, que, em muitos casos, parece ser literalmente inexistente. E, neste particular, as hierarquias competentes não souberam, uma vez mais, dizer não. Bem pelo contrário, parecem estar – como estão, a maior parte das vezes, ao serviço da tutela, ou, para melhor dizer, ao serviço da máquina de propaganda positivista (político-partidária) quando se impunha, pelo contrário, que os centros decisores intermédios se orientassem exclusivamente pelas necessidades educativas reais – a única e legítima porta de entrada do currículo explícito.

Assim, nada de mais lógico que o debate se comece, desde já, a centrar na questão, a meu ver inócua, da distribuição gratuita do preservativo dentro do perímetro escolar. Pois claro! As escolas estão, tão-somente, a colher os ventos que ajudaram, um pouco irrefletidamente, a semear. Por outras palavras, estão a sentir na pele a sua própria inércia e ausência total de sentido crítico face aos problemas emergentes… quando se lhes pedia, apenas, que contribuíssem sustentamente para a inclusão de um currículo participado. Mas não! Nem podiam! É que as escolas transformaram-se numa mera correia de transmissão do poder instituído. Deixaram de ser racionais. Abandonaram o pensamento a troco de uma certa consciência político-partidária. Ora, o que se lhes pede, doravante, até por questões de coerência comportamental e lógica interna, é que não deixem cair a máscara do vanguardismo e que facultem os meios necessários aos múltiplos desempenhos, e, neste âmbito, só espero que não sejam os docentes, no caso vertente, o diretor de turma, espécie de factotum do sistema escolar, a levar a cabo o milagre da multiplicação dos pães. Que, temo, venha a acontecer. Não obstante os professores estarem lá, sobretudo, para provocar a fome... e não para a saciar.

Face ao exposto, parece que a introdução do projeto de educação sexual nas escolas ultrapassa em muito o seu próprio âmbito de aplicação. Com efeito, que o que está em jogo é a forma como o currículo deve entrar no todo sistémico e, mais do que isso, que papel cabe às escolas na sua redefinição hic et nunc curricular. E parece-me que, nesta matéria, os órgãos de decisão intermédias (situadas entre os múltiplos contextos educativos e a tutela), ficaram muito mal na fotografia. Nota-se-lhes, na imagem que permanecerá para memória futura, um certo adestramento, uma certa doutrinação acrítica, em suma, uma certa assexualidade curricular. Aliás, o senhor secretário do rei D. João III, Pêro de Alcáçova Carneiro (Cf. Saramago (2008: 18) não faria melhor. E não consta que se tivesse dado mal. Só que, aqui, a diferença é de monta, pois que o que está em causa é a conceção do edifício social – ou o seu desmoronamento. C’est selon. Até porque há males que parecem vir por bem! En avant, pois! E viva la fiesta!...

Nota: falei, acima, das várias manifestões da sexualidade. Parece-me que ela está presente nos mais simples e ingénuos costumes do nosso quotidiano, como por exemplo, o ato de mascar um sugestiva pastilha elástica... como demonstra - e muito bem - um dos maiores fotógrafos da nossa contemporaneidade recente, JOSÉ MAÇAS DE CARVALHO! (cf. biografia no sítio http://vimeo.com/user4426634.

[Texto redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico]

Chewing me, 2005 from josé maçãs de carvalho on Vimeo.


© Manuel Fontão

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