ALICE: análise crítica

O calendário não mente. Ele é, aliás, implacável. Passaram 193 dias desde que Alice foi vista pela última vez. Todos os dias, Mário, o seu pai, sai de casa e repete o mesmo percurso que fez no dia em que Alice desapareceu. A obsessão de a encontrar leva-o a instalar uma série de câmaras de vídeo que registam o movimento das ruas. No meio de todos aqueles rostos, no meio daquela multidão anónima, Mário procura uma simples pista, uma pequena ajuda, um indelével sinal…

A película, no entanto, não se baseia em nenhuma história real. Nem deveria. Porque, no imaginário coletivo, abundam, infelizmente, as histórias de crianças desaparecidas, de crianças que foram subtraídas aos seus lares… sem deixar, hélas!, qualquer rasto. [Conferir, por exemplo, o sítio http://www.portaldacrianca.com.pt/info/c_desaparecidas.php ou, na alternativa, o sítio http://www.ap-cd.pt/]. Trata-se, por conseguinte, de um filme que põe, sobretudo, em evidência, a ausência, o vazio e a dor – imensa e irreparável de um pai. De um homem só que não pode acreditar na polícia, na capacidade de resposta das autoridades, nas instituições. Nem poderia. Que o papel maior das entidades institucionais só vem depois… para corroborar os factos consumados e legar, à posterioridade, o relato histórico dos acontecimentos. Comportam-se, neste particular, como os escritores públicos, como os copistas de outrora: limitam-se a registar os eventos para uma espécie de memória futura. Ora, Mário, o progenitor, vive o drama do momento. Confronta-se com a fatalidade. Todos os dias. Ao pequeno-almoço. Ao almoço. Ao jantar. À hora do sono… que não vem. Nem pode...

Elogiado pelo público e pela crítica, quer nacional, quer estrangeira, ALICE (2005), o primeiro filme de Marco Martins, é uma obra-prima do cinema português contemporâneo, premiada em vários festivais de cinema. A beleza da música de Bernardo Sassetti combina, na perfeição, o ambiente do filme e os desempenhos absolutamente notáveis de Nuno Lopes e de Bárbara Batarda.
© Manuel Fontão

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