2010/01/23

DA IDEIA À ARQUITECTURA...

O problema coloca-se, por certo, desde o Génesis, como, aliás, em qualquer génesis de todo o livro sagrado. Primeiro, havia, ao que parece, o caos, a desordem, o amorfo. Depois, lentamente ou num ápice (que, aqui, a velocidade parece trair os princípios da Física…), surge a ordem. A organização. A estrutura.
Obra do Grande Arquitecto? Obra do Homem superior? Não importa! O Demiurgo começa sempre por ter à sua disposição o vácuo. O informe. A forma primeira. Depois, começa a definir os contornos. Em seguida, marca os limites da sua ideia. Como? Ora: aqui, a luz; ali, a treva. Mais além, o zénite; Mais além ainda, o nadir. Aqui, a matéria; ali, o esvaziamento da matéria. Depois… Depois, compõe, com as criaturas provindas do epicentro da sua actividade mental, toda uma geografia de seres vivos, toda uma geometria de relações, todo um arabesco de traços que se interligam, se entrecruzam e se (inter)comunicam. Para que o sentido seja. Fiat Lux!
E, entre o caos e a ordem, entre a amálgama de componentes e o posicionamento correcto dos mesmos, prolonga-se o tempo. Distende-se o plano a seguir. Amadurece-se a ideia. Reformulam-se os vasos comunicantes. Com o porvir. Com o Princípio. Porque o tempo não morre. Porque o Princípio não é um instante. Porque as múltiplas conexões estão lá para servir a alguma coisa.
Que não senhor! Na teoria do Projecto, o tempo nasce a cada segundo que passa. No mundo das ideias, o Princípio é uma delonga. É uma demora. É um debuxo sujeito a reformulação. Ad infinitum. Certo. Dir-me-ão que o mundo é eterno. Que assim reza a história dos Gregos. Mas não há geração espontânea. Entre o antes e o depois há um hiato. E entre a obscura Teogonia e o luminoso Olimpo, vai uma distância que é a mesma que vai entre a polémica dos Titãs (força bruta) e a artimanha de Zeus (luz) ou de Hermes (mensageiro artificioso da luz).
Ora, é justemente aqui, neste interstício, que se joga a natureza do acto arquitectónico. Porque arquitectar é planear. E planear é, quer queiramos, quer não, fazer apelo ao imprevisível. Vejamos! Não há, não pode haver, maqueta que garanta justiça entre a luz e a matéria. Não há estrutura que se assuma como mediadora entre a concepção e a execução. Ou melhor: entre a visão actual e a visão possível há, isso sim, a cegueira daquilo que não pôde ser visto antes. Há a questão do antes e a força tangível do depois. E no meio de tudo isto, situa-se o risco do arquitecto. Porque neste ponto cego entre duas realidades intangíveis, o arquitecto aposta tudo: a paisagem, tal como ele a viu e a obra tal como ela será vista. A visão possível e inusual do seu produto e a conformidade canónica. Destarte, o arquitecto não inaugura o que quer que seja: ele mais não faz do que aferir da justeza das suas hipóteses de partida. E das de chegada… Pode ser que tenha arquitectado por oposição. Pode ser que o tenha feito por abertura.
Por tudo isto, a cidade do arquitecto (porque a arquitectura é também uma questão de cidadania e de utopia) seria, certamente, desenhada por múltiplos Gaudís, diferentes todas elas, daquela que o próprio Gaudí arquitectaria…


© Manuel Fontão

Sem comentários: