2009/12/21

TEATRO... O QUE É?

é procurar afinidades íntimas ou longínquas
é descobrir no outro aquilo que não sou
é encontrar uma resposta que sei e espero antecipadamente vã
é percorrer a solo os labirintos da alma
é perceber que aquilo
oh sim que aquilo me chama e me interpela e me coteja
pelo lado de fora da minha absurda condição

que mais é o teatro que em mim há
ora é saber-me marioneta do destino
quer dizer redescobrir no outro que não eu
a natureza especular do homem actante

e sonho com tudo isso quase involuntariamente
mas com instância e afinco
tal como os olhos esgazeados obscenos objectivos
do gato do vizinho que cravam no meu espírito
o estampido mudo de velhos telhados de zinco

expulsai o teatro pela janela – ele entrar-vos-á pela porta adentro
sub-repticiamente
ou a talhe de foice
ou a galope
ou em forma de escândalo
tal como o felino matreiro esquivo
se vem colocar na minha frente isto é no teatro de guerra da minha fantasia
as suas pupilas perscrutadoras sobrenaturais medonhas

aí sim
aí nesses momentos paroxísticos, febris, excêntricos
saio
saio como um títere sob a chuva ao vento ao sabor das intempéries
e vou ao teatro dos sonhos ao boulevard à revista
vender ao preço do mercado e de forma gratuita
quase por amor de dionísio e das bacantes
bocados da minha angústia da minha inquietação

aí sim
aí vou sempre ao teatro
partilhar oniricamente o espaço do outro
diluir-me na consciência alheia
do parterre da plateia da loja
que guardo religiosamente na algibeira

que não senhor
o outro que em mim há ingénuo cândido obtuso
denuncia o artifício desmente o ardil diz-me
que é para escapar ao olhar do gato do vizinho

sim senhor creio no valor catártico hipnótico catalisado
do teatro
cristã mente absurdo fantoche são

ah o olhar do gato do vizinho é a minha imaginação
à solta em palco por toda a parte
vertiginosamente a representar
© Manuel Fontão

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