sobre uma abrupta rocha
melancolicamente sentada
de face húmida crespa vermelha
permanecia ali imóvel e estática
e apercebi-me desde logo
que ora seus cabelos puxava
ora suas copiosas lágrimas
com um negro trapo enxugava
questionei-a
perguntei-lhe por que chorava
e a velha de olhos doridos arregalados vazios
gritou bem alto
a mágoa que a atormentava
sinta pois esta pele sulcada outrora bela e suave
em malditas pregas encarquilhada envelhecida
observe se assim entender estes cabelos brancos
estas gengivas nuas amarelas descarnadas
estes lábios insípidos enxutos cortados
repare se lhe aprouver nesta fragilidade de flancos
e aqui mostrou-me grave os seus membros descarnados
examine analise sinta perscrute partilhe a minha dor
ou tal como os cães vadios que frequentemente cruzo
grite de medo ou de nojo ou de horror
calou-se por fim a pobre criatura
e de olhos esgazeados
cravados no penedo
ouvia-a de voz fraca trémula gemendo
odeio os homens mais que os animais
porque deles tenho medo
porque deles tenho medo
porque deles tenho medo
hoje encontrei no meu caminho
encarniçadamente sentada sobre uma rocha
uma velha que outrora foi jovem foi bela foi flor
mete dó
não poder anular o tempo antecipar o destino
evitar todo este espectáculo de horror
in Sementes do Acaso
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